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Ao longo dos últimos anos, a discussão sobre a participação de pessoas transgênero em competições esportivas tem ganhado cada vez mais destaque, tanto nos círculos acadêmicos quanto na esfera pública. Esse debate tem suscitado uma série de questões relevantes, envolvendo igualdade de oportunidades, justiça esportiva e equidade, o que tem levado a intensos debates e opiniões divergentes.
Nesse contexto, é crucial compreendermos a complexidade desse tema, considerando a lógica esportiva como uma mercadoria inserida no modo de produção capitalista, que exerce influência sobre as estruturas e relações do mundo esportivo contemporâneo.
O esporte no atual contexto sociocultural é tratado não apenas como uma atividade física ou um entretenimento, mas também como uma poderosa indústria, permeada por interesses econômicos e influenciada pela lógica capitalista. A comercialização de eventos esportivos, a busca por audiência e patrocínios e a construção de imagens de sucesso são elementos centrais nessa dinâmica. Logo, a ideia de igualdade de condições no esporte quando aplicada às pessoas trans, que já vêm de uma condição de marginalização social, é preciso se ater a questões como a relação entre a lógica capitalista do esporte e a discussão entre “vantagens e desvantagens” sobre a participação de atletas trans nos esportes.
O entendimento do gênero vai além do viés biológico, pois as pessoas se identificam e expressam sua identidade de gênero de acordo com suas vivências e percepções, independentemente das características morfológicas que possam apresentar. A diversidade e complexidade das características biológicas, diante de corpos intersexo, por exemplo, reforçam a necessidade de considerar a variabilidade de corpos e identidades de gênero ao abordar a participação de pessoas que divergem da lógica perinormativa (referente à normatividade da sociedade em relação a pessoas não-intersexo) nos esportes. Ao compreender a existência de pessoas intersexuais e a diversidade de identidades de gênero, é fundamental adotar uma abordagem inclusiva e respeitosa que permita que todes ês atletas sejam incluídes nos seus respectivos esportes, independentemente de sua identidade de gênero.
A participação de pessoas trans nos esportes desempenha um papel importante na desconstrução dos estereótipos de gênero que historicamente têm sido associados às atividades esportivas. O esporte, enquanto mercadoria, muitas vezes reproduz e reforça as normas de gênero impostas pela sociedade, criando uma divisão binária entre masculino e feminino e estabelecendo expectativas rígidas em relação aos corpos e habilidades atléticas.
No entanto, é importante destacar que somente a partir de 2004 o Comitê Olímpico Internacional (COI) aprovou o consenso que foi apresentado em 2003 sobre a participação de pessoas trans nas Olimpíadas. No primeiro conjunto de regulamentos, era exigido que atletas trans passassem pela “cirurgia de redesignação sexual” (mudança da configuração genital) e atualizassem seu “nome e sexo” nos documentos legais. Esse documento do COI é utilizado como referência por várias entidades esportivas na formulação de seus protocolos sobre o assunto. Esse consenso foi atualizado em 2015 e tem sido a base metodológica para abordar a questão da participação de pessoas trans em competições esportivas, segundo a pesquisa de Eric Seger de Camargo: “‘Pessoas trans no esporte’: os jogos da cisnormatividade”.
Em 2019, no Brasil, surgiram projetos de lei que provocaram debates acerca da participação de pessoas trans em competições esportivas. Essas propostas ganharam destaque após manifestações de atletas do vôlei, como Ana Paula Henkel que se utilizou de declarações transfóbicas, se posicionando contra à participação da jogadora Tifanny Abreu, uma mulher trans, no vôlei profissional. Eventos como esse despertaram discussões acerca dos critérios de elegibilidade e equidade esportiva para atletas transgênero, levantando importantes questionamentos sobre a inclusão no cenário esportivo.
Ao enfrentar os desafios e dilemas relacionados à participação de pessoas trans nos esportes, é necessário considerar a importância das mudanças sociais e culturais. Isso envolve desconstruir estereótipos de gênero enraizados e questionar as normas que podem excluir a participação e o reconhecimento de atletas trans.