Neolinguagem

O guia (in)completo sobre a neolinguagem.
Por: Viktor Bernardo Pinheiro

O que é, como e quando utilizar a linguagem neutra.

Índice:

  1. O que é?
  2. Quando utilizar
  3. Contra-argumentação
  4. X e @
  5. Utilizando
  6. Dúvidas

1. O que é?

Quando se fala de neolinguagem (ou linguagem neutra), é importante frisar que a construção da língua portuguesa tem uma estrutura binária, separando tudo entre feminino e masculino, e esta linguagem vem para mudar isto.

O latim, língua originária do português, possuía em sua estrutura três demarcações de gênero, sendo o neutro uma delas. No entanto, tal neutralidade se delimitava ao inanimado, não incluindo pessoas.

O fato de a língua portuguesa ter acabado com uma opção que foge da dualidade homem-mulher e nunca ter cogitado trazê-la de volta reflete tanto a cisnormatividade binária da sociedade quanto o machismo, que utiliza do masculino genérico para “neutralizar” os gêneros.

Sendo assim, a neolinguagem é uma proposta de reforma na língua na qual não será excluído nada, mas acrescentado uma forma neutra e acessível para que o português venha a se tornar cada vez mais inclusivo.


2. Quando utilizar

• Com pessoas que lhe pedirem

Na utilização dos pronomes, sejam quais forem, deve-se ser observado o conforto do sujeito. Sendo assim, se uma pessoa, seja cis ou trans, quiser utilizar algum pronome que fuja dos conhecidos “feminino” e “masculino”, não há problema algum nisso, e é importante respeitar essa decisão.

• Quando se dirigindo a mais de uma pessoa

A pauta da neolinguagem vem sendo trazida não apenas como uma linguagem inclusiva, porém também verdadeiramente neutra, fugindo do “masculino genérico”. Sendo assim, é proposto que ela seja utilizada ao se referir a grupos com duas ou mais pessoas que se sentem confortáveis com pronomes distintos.

• Com alguém que você não saiba os pronomes

Quando o sujeito é alguém que você não conhece, é improvável que você esteja ciente de como esta pessoa quer ser tratada. Caso você esteja falando com a pessoa, o ideal é perguntar como ela se sente confortável; no entanto, se esta não for uma possibilidade, o uso do neutro é o mais adequado.

Vale lembrar que o ideal é não presumir o gênero ou os pronomes de alguém com base em aparências, mas sim perguntar antes o modo no qual a pessoa prefere ser tratada e, acima de tudo, respeitar sempre seus pronomes.

3. Contra-argumentação

Seja com verdadeiras crenças, seja com o objetivo de mascarar o preconceito, muitas pessoas tentam afastar o crescimento da neolinguagem através de argumentos. No entanto, muitos deles são falhos, e é importante entender a eficiência da neolinguagem e saber combatê-los.

• “Pessoas com deficiência ou neurodivergentes não conseguiriam aprender a neolinguagem”

Quando visto além de uma perspectiva capacitista, o argumento não faz sentido. A deficiência ou neuroatipicidade de alguém não faz dessa pessoa incapaz de compreender ou até mesmo utilizar a neolinguagem.

“Pessoas pobres e marginalizadas não têm acesso, ou possuem outras preocupações além disso”

Quando falamos sobre desigualdade social, é importante saber direcionar a culpa. Educação precária, desigualdade econômica e outros problemas do tipo são frutos de um longo histórico de opressão, especialmente a pessoas negras ou racializadas de modo geral. São problemas sociais, e por isso devem ser cobrados do governo.

“Tem coisas mais importantes pelo o qual lutar”

Infelizmente, em nossa atual sociedade, os problemas e opressões são incontáveis. No entanto, são também inigualáveis, e não seria correto colocá-los em uma balança. Toda violência deve ser combatida, e uma pauta não anula a outra.

“O masculino já é neutro, não tente mudar a língua”

O português, enquanto uma língua viva, está sempre em transformação, com mudanças lentas e de acordo com a necessidade e o uso popular. A língua deve se adequar a seus falantes, e não o contrário.


4. X e @

No início da luta pelo uso da neutralidade na língua portuguesa, o X era pautado e até foi utilizado por certo período de tempo aqui no Brasil.

• Artigo: xElx é bonitx.
• Pronome: elx/delx  → Este lápis é delx.
• Desinência: xElx é x mais espertx.
• Artigo: @El@ é bonit@.
• Pronome: el@/del@  → Este lápis é del@.
• Desinência: @El@ é @ mais espert@.

Hoje, no entanto, entende-se que o uso do X, tal qual o uso do @, é inviável.

Além de ser impronunciável no dia a dia, é inacessível também na mídia, visto que pode confundir, por exemplo, leitores de tela de pessoas com deficiência visual, além de em alguns casos afetar também pessoas disléxicas. É ilegível e acaba por fazer com que a pessoa perca a informação.


5. Utilizando

Em termos de neutralidade, no português o ideal é utilizar a linguagem do e/u.

• Artigo: eElu é bonite.
• Pronome: elu/delu  → Este lápis é delu.
• Desinência: eElu é ê mais esperte.

No entanto, existem outros tipos de neolinguagem. Estas devem ser utilizadas em ocasiões específicas, ou seja, quando alguém as solicitar.

• Artigo: eIle é bonite.
• Pronome: ile/dile  → Este lápis é dile.
• Desinência: eIle é ê mais esperte.

Além disso, também é possível neutralizar a frase.

Esta pessoa é bonita.

No caso acima, a terminação em -a se torna neutra por estar concordando com pessoa, um substantivo de gênero gramatical feminino, mas que pode ser usado para todes, independente de gênero social ou pronome.


5.1. Pronomes

Pronome é a classe de palavras que substitui o substantivo. Ele indica a pessoa do discurso e situa o tempo e espaço.

Ele e ela              → elu/éli/ile/el/ila/ilo
Dele e dela         → delu/déli/dile/del
Meu e minha      → mi/minhe
Seu e sua            → su/sue
Teu e tua             → tu/tue
Nele e nela         → nelu/néli/nile/nel
Nosso e nossa    → nosse
Aquele e aquela → aquelu/aquéli/aquile

Obs: Enquanto linguagem neutra, o ideal é utilizar elu e seus derivados.


5.2. APF

É comum ver o modelo pronome pessoal/pronome possessivo ser utilizado. Este formato, no entanto, foi traduzido do inglês, e não se encaixa tão bem na complexidade da língua portuguesa.

O modelo APF consiste de um conjunto para informar a linguagem pessoal, isto é, o modo pelo qual a pessoa prefere ser tratada.

A → artigo
P → pronome
F → final de palavra/flexão de gênero (desinência)

Exemplificando:

• Artigo: aIle é bonito.
• Pronome: ile/dile  → Este lápis é dile.
• Desinência: oIle é a mais esperto.

O seu conjunto pessoal pode variar de acordo com o modo que lhe deixa mais confortável. 


5.3. Plural

Para o plural, usualmente basta adicionar -s no final da palavra.

• Bonitos, bonitas, bonites
• Famosos, famosas, famoses
• Famintos, famintas, famintes

Algumas palavras no plural já terminam em es, mesmo no masculino. Nestes casos, o plural fica em -ies.

• Professores, professoras, professories
• Deuses, deusas, deusies
• Cantores, cantoras, cantories

Obs: Algumas pessoas optam por manter o -es, ou por utilizar o -ie no singular também.

• Professore / professorie

5.4. Regras especiais

Em alguns casos, a adição do -e no final da palavra não é o suficiente. Por isso, algumas regrinhas devem ser levadas em consideração.

Palavras terminadas em ca/co adquirem qu

• Fraco    → Fraque
• Médica → Médique
• Músico → Músique

Palavras terminadas em ga/go adquirem gu

• Amigo → Amigue

Palavras terminadas em ça/ço adquirem -ce

• Moça → Moce

Palavras terminadas em ão e viram -ane

Cristão → Cristane
• Irmão → Irmane

Em palavras terminadas em triz não se adiciona o -e no triz

Ator e Atriz → Atore

Obs: Na língua portuguesa, algumas palavras terminadas em -triz não são realmente a versão feminina dela. Um exemplo é a palavra embaixatriz.

Em tese, a sua versão masculina seria embaixador. No entanto, a terminação em -triz não indica mulher com o mesmo cargo que o embaixador, e sim mulher do embaixador. Neste exemplo, o cargo correto seria embaixadora.

Outros:

Gêmea/gêmeo → gemini/gemiê

Mãe/Pai:

Em alguns casos, a palavra para o feminino e a palavra para o masculino são diferentes demais para que seja adicionado o -e. Nestes, é preciso uma nova palavra.

Mãe/pai → Nan
Mamãe/papai → nananMaterna/paterno → naterneMaternal/paternal → naternalMadrinha/padrinho → nadrinheMadrasta/padrasto → nadraste

Como a neolinguagem ainda está sendo implementada, é possível existir mais de uma sugestão de palavra para os mesmos termos.

• Pãe
• Zazá
• Fao
• Progenitore/responsável

5.5. Outros

O termo “não-binário”, utilizado como guarda-chuva para definir identidades que se encontram além dos gêneros socialmente impostos, traz muitas confusões. Afinal, não-binário é um termo neutro? Sim e não.

a. Sam Smith é não-binário.

No exemplo a, é possível presumir que o termo vem acompanhado da palavra “gênero”, assim concordando com ela e tendo sua finalização em -o, como visualizado no exemplo b.

b. Sam Smith é (do gênero) não-binário.

c. Sam Smith é não-binárie.

No exemplo c, o termo, como predicativo do sujeito, concorda com ele. No caso, sendo Sam Smith uma pessoa que utiliza pronomes neutros, o termo flexiona de acordo com esses pronomes, ou seja, no neutro.

• Ile é não-binárie.
• Elu é não-binárie.
• Ela é não-binária.
• Ele é não-binário.

Manter o termo no masculino, concordando com a palavra gênero, não é errado; mas flexioná-lo pode evitar desconfortos desnecessários.


6. Dúvidas

É importante pontuar que a neolinguagem é algo novo, e é comum levar algum tempo para pegar o jeito. Treine aos poucos e logo sua linguagem será inclusiva.

Dito isto, espero que o guia tenha tirado suas principais dúvidas e auxiliado da melhor maneira possível o processo de aprendizagem da linguagem neutra. Divulgue-o em suas redes sociais para que a neolinguagem se torne cada vez mais conhecida.

Qualquer dúvida ou sugestão pode ser dirigida aos perfis da @lgbtqspacey e/ou através do endereço de e-mail duvidas@lgbtqspacey.com.

Obrigado!