A disparidade de tratamento dentro dos ambientes prisionais do Brasil, para muitos, pode não ser evidente. Mas, ao se analisar com um pouco mais de atenção, é possível enxergar como homens e mulheres vivenciam essa realidade de formas completamente distintas. Enquanto a fila de visitantes em penitenciárias masculinas é gigantesca, a quantidade, quase tímida, de visitantes em penitenciárias femininas ilustra como essa solidão é real.
Mas você já se perguntou por que ela acontece?
As mulheres são a minoria dentro do sistema carcerário brasileiro. De acordo com um levantamento feito pelo Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN), no período de julho a dezembro de 2024, o número de prisioneiras não ultrapassava os 30 mil, enquanto o número de prisioneiros homens passava de 640 mil. Por conta disso, o número de seus ambientes carcerários também é reduzido — o que as leva, muitas vezes, a serem mandadas para presídios distantes de suas casas e, consequentemente, longe de suas famílias e de seus núcleos sociais.
Grande parte dessas mulheres e de suas famílias se encontram em vulnerabilidade social e econômica. Logo, um dos motivos plausíveis que podem explicar essa solidão é, justamente, a dificuldade de deslocamento de membros familiares, amigos e pessoas próximas.
A maioria dessas mulheres também são mães — de mais de um filho, muitas vezes. Em cenários em que, por sorte, essas mulheres conseguem ter alguém de confiança que se comprometa a cuidar de seus filhos, as visitas também podem ser prejudicadas por conta disso. Quando a presença dessas crianças durante as visitas é inviável e não há mais cuidadores temporários, sejam familiares ou não, o deslocamento para visitação é dificultado.
Mas esses motivos não são os únicos, e, possivelmente, também não os principais.
A sociedade, tanto a mundial quanto a brasileira, especificamente, enxerga a mulher prisioneira como uma traidora de sua própria natureza; uma errante imperdoável e indigna de qualquer respeito, acolhimento ou afeto. Está intrínseco no imaginário patriarcal, machista e misógino que homens agem por impulso e são “eternos meninos” — tirando o peso máximo de seus erros por uma visão de que são imaturos ou ingênuos demais para se responsabilizarem ou compreenderem a dimensão de seus atos, mesmo os mais violentos. As mulheres, em contrapartida, são criadas para serem serventes e doadoras incansáveis de si. Quando esse padrão de domesticidade, doçura e moralidade se rompe, também se rompe seu direito de existência digna. A mulher prisioneira não é condenada apenas judicialmente, mas socialmente.
É preciso que o Estado visualize, compreenda e ofereça medidas de assistência humanitária, social, médica e psicológica para essas mulheres — e que fortaleça verdadeiramente as que já existem, mas são grosseiramente implementadas. É imprescindível que o processo de coisificação dessas detentas seja quebrado; são mães, filhas, humanas e, muitas vezes, o maior pilar estrutural dentro de suas dinâmicas familiares.
Mulheres detentas não devem ser excluídas da sociedade e nem apagadas de seus núcleos. Seus problemas não são, na maioria das vezes, morais ou relacionados a desvios de caráter, tampouco violentos — mas sim sociais, econômicos e educacionais. Logo, cabe à sociedade e ao próprio Estado compreendê-los e traçar medidas para que estejam um passo mais perto da resolução e da garantia de todos os direitos dessa minoria social.
Referências
- A solidão das mulheres nas cadeias: para elas, a pena é dobrada — Portal Drauzio Varella;
- Solidão no cárcere: por que mulheres são mais castigadas que homens com a falta de visitas em presídios — G1;
- Drauzio Varella fala sobre o livro “Prisioneiras” e solidão das mulheres nas penitenciárias — Entrevista Roda Viva.
Ficha técnica
Escrita: Nunu Pítaro
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Luiza Araujo e Jéssica Larissa O.S.