A importância dos direitos trabalhistas para trabalhadoras sexuais

A classe trabalhadora é a força motriz do mundo do trabalho. Seu papel central nas engrenagens da sociedade capitalista para a obtenção de lucro e enriquecimento econômico submete-a a condições degradantes de exploração da sua força de trabalho. A defesa da classe trabalhadora contra esse tratamento é assegurada pela aquisição e manutenção de direitos trabalhistas.

Contudo, mesmo com a conquista de direitos trabalhistas, adquirida através de uma luta árdua e contínua, a classe trabalhadora não está totalmente protegida da precarização de seu trabalho. Considerando isso, não é difícil concluir que profissões que estão à margem da legislação trabalhista vivem em circunstâncias ainda mais indignas e humilhantes, como é o caso das trabalhadoras sexuais.

Curiosamente, o trabalho sexual, comumente intitulado de “a profissão mais antiga do mundo”, apesar de ser legalmente reconhecido como uma ocupação profissional pela Classificação Brasileira de Ocupação (COB) desde 2002, não é regulamentado pela legislação brasileira. Isso quer dizer que a aposentadoria, o seguro-desemprego, a licença-médica e a jornada de trabalho diária, que são garantias mínimas por lei a qualquer atividade profissional reconhecida, não pertencem ao cotidiano das trabalhadoras sexuais.

O exercício do trabalho sexual é realizado por uma parcela significativa da população brasileira, tanto por escolha própria quanto pela falta desta, o que significa que ambientes de extrema marginalização e vulnerabilidade são comuns a um grupo considerável de trabalhadoras do Brasil. Fatores que são intensificados pelo desprezo e preconceito que a sociedade nutre por esse grupo, o que justifica o silêncio e a indiferença sociais quanto à situação precária de trabalho da categoria.

Ainda que todas as trabalhadoras sexuais sejam estigmatizadas e subalternizadas pela sociedade, é inegável que existam divergências em suas experiências, a partir da ação conjunta do racismo, da transfobia e da desigualdade social. O privilégio cis, branco e rico confere ao trabalho sexual um status de luxo e sofisticação, além de menor influência de estereótipos associados à hiperssexualização e desumanização, em contraste com a insalubridade, precariedade e exclusão de oportunidades, majoritariamente associadas à ausência desse privilégio.

Entretanto, por mais multifacetada que seja a realidade do trabalho sexual no Brasil, compreendendo múltiplas experiências, histórias e marcações sociais, todas essas vivências são marcadas pelas consequências da não regulamentação dessa atividade profissional. As trabalhadoras sexuais, sem uma legislação que as ampare, estão mais suscetíveis à exploração e à violência sexuais, condições precárias no ambiente de trabalho e vulnerabilidade econômica, social, física e mental.

Sem a oficialização da carga horária de trabalho e da remuneração, as trabalhadoras sexuais precisam se submeter a jornadas extenuantes de trabalho com retorno financeiro desproporcional, aumentando as chances de contrair infecções e adquirir transtornos psicológicos.

Apesar de o trabalho sexual ser legalizado, a legislação brasileira proíbe a existência de espaços físicos para sua ocorrência, dificultando que as trabalhadoras sexuais possam conseguir locais seguros e devidamente fiscalizados para a realização do seu trabalho, o que diminuiria consideravelmente os riscos de violência a que estão propensas a sofrer estando nas ruas.

Os avanços tecnológicos oferecem ao trabalho sexual uma alternativa interessante aos obstáculos e ameaças apresentados pela modalidade presencial. Plataformas como o OnlyFans concedem às trabalhadoras sexuais maior autonomia sobre seu ambiente de trabalho, possibilitando controle da sua exposição e a redução de riscos de infecção. Porém, a falta de regulamentação trabalhista cria terreno fértil para cenários de exploração, abuso e precarização.

Todos esses cenários reiteram a importância da regulação do trabalho sexual, em qualquer modalidade. Recentemente, a Bélgica se consolidou como o 1° país do mundo a implementar legislação trabalhistas às trabalhadoras sexuais, garantindo proteção à categoria e acesso a direitos e benefícios próprios a qualquer ocupação profissional reconhecida.

No Brasil, os movimentos de trabalhadoras sexuais, representados pelas organizações de cunho nacional Rede Brasileira de Prostitutas (RBP), Central Única de Trabalhadoras Sexuais (CUTS), Articulação Nacional de Profissionais do Sexo (ANPS), empreendem uma luta árdua e contínua pela regulamentação das atividades da classe. O entendimento é de que, embora a descriminalização do trabalho sexual seja uma passo importante, ela não pode deixar de vir acompanhada por uma regulação apropriada da profissão. A manutenção dessa realidade é permitir a prevalência da contraditoriedade, na qual um grupo de trabalhadoras é impossibilitado de usufruir dos direitos inerentes a toda e qualquer categoria pertencente à classe trabalhadora — direitos que permitem aos segmentos profissionais exercerem suas funções com qualidade, segurança e dignidade.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Mell Martem
Revisão: Brian Abelha e Deborah Ramos