Como a genética pode afetar a transição hormonal

Para começar, a variabilidade genética afeta nossa sensibilidade e resposta a hormônios como estrogênio e testosterona, que são os pilares das terapias hormonais para transição. Por exemplo, certos genes regulam a forma como nossos tecidos e células reconhecem esses hormônios. Variantes nesses genes podem fazer com que algumas pessoas tenham uma resposta mais intensa aos hormônios, enquanto outras podem precisar de doses maiores ou menores para alcançar as mudanças desejadas. Assim, enquanto alguns podem notar mudanças físicas rapidamente, outros podem ter um processo mais gradual.

Por exemplo, a genética parece influenciar a resposta dos tecidos aos hormônios sexuais, uma vez que variantes genéticas no receptor de andrógeno (AR) e no receptor de estrogênio (ER), responsáveis por mediar a resposta do corpo à testosterona e estrogênio, podem tornar algumas pessoas mais sensíveis ou resistentes a esses hormônios, o que afeta o ritmo e a eficácia da transição hormonal. Uma pessoa que possui variantes específicas no gene AR pode responder mais rapidamente à testosterona, o que favorece o desenvolvimento de características secundárias masculinas, como aumento da massa muscular e profundidade da voz. Já variantes no gene ER podem impactar a forma como o corpo responde ao estrogênio, influenciando o desenvolvimento de características secundárias femininas, como o crescimento de tecido mamário.

Pesquisadores analisaram variantes em diversos genes relacionados ao metabolismo e à sinalização hormonal para entender melhor essas diferenças. Um estudo australiano examinou 12 genes envolvidos na produção e recepção de hormônios sexuais em pessoas transgênero e observou que determinadas variantes eram mais comuns nesse grupo. Essas variantes parecem alterar a sensibilidade do organismo a estrogênio e testosterona, o que pode ter implicações diretas na transição hormonal. Isso sugere que poderemos personalizar as doses hormonais com base no perfil genético de cada pessoa, proporcionando um tratamento mais eficaz e menos suscetível a efeitos colaterais indesejados.

Além disso, a forma como os hormônios são metabolizados no corpo também pode variar conforme a genética. O gene CYP19A1, que é responsável pela produção da enzima aromatase, converte testosterona em estrogênio e influencia os níveis desses hormônios no organismo, e variantes no gene CYP19A1 podem afetar a eficiência dessa conversão, impactando diretamente os níveis de testosterona e estrogênio circulantes, o que pode ser relevante tanto para pessoas que fazem a transição feminina quanto para aquelas que fazem a transição masculina. Para uma pessoa trans em transição feminina, por exemplo, uma variante que aumente a atividade da aromatase poderia amplificar os efeitos do estrogênio, favorecendo uma transição mais rápida.

Estudos com gêmeos sugerem que a resposta à terapia hormonal pode ter uma base hereditária. A taxa de concordância para identidade de gênero entre gêmeos monozigóticos, que compartilham a mesma carga genética, é maior do que entre gêmeos dizigóticos, que compartilham apenas metade dos genes. Isso indica que existe uma predisposição genética para a forma como cada organismo reage aos hormônios e que essa predisposição pode ser hereditária, mesmo que fatores ambientais também sejam importantes.

A epigenética, que abrange mudanças que influenciam a expressão dos genes sem alterar a sequência do DNA, é outro fator relevante. Marcações epigenéticas que acontecem durante o desenvolvimento fetal podem “marcar” os genes de maneiras que afetam a resposta hormonal na vida adulta como modificar a expressão dos receptores hormonais, influenciando diretamente a transição. Assim, uma compreensão mais profunda da epigenética pode auxiliar no ajuste fino das terapias hormonais para que elas sejam mais eficazes e seguras.

Pesquisas futuras sobre a interação entre genética, epigenética e hormônios podem resultar em terapias hormonais personalizadas, otimizando os resultados da transição e tornando o processo mais seguro e confortável para cada pessoa transgênero. Uma  visão mais científica e acolhedora da diversidade de experiências trans que pode aumentar o conforto e a segurança durante a transição  e também alinhar de maneira mais precisa o corpo com a identidade de gênero de cada indivíduo.


Referências


Ficha técnica

Escrita:  Reinaldo Coutinho Simões
Revisão: Brian Abelha, Lara Moreno