A não monogamia tem sido uma pauta bastante recorrente nas redes sociais, mas por muitas vezes, o tema é tratado de forma equivocada com base apenas em sensos comuns. E, por mais que a monogamia seja considerada o único modo correto de se relacionar — principalmente entre os mais conservadores —, ela nem sempre foi a mais usual na sociedade.
Com a ascensão do cristianismo, houve uma tentativa de apagar da história da humanidade o fato de que, por muito tempo, as famílias se organizavam de maneira poligâmica — isso é, a união conjugal que contém mais de duas pessoas.
Surgimento da monogamia
Um estudo realizado na Universidade de Ferrara, na Itália, aponta que no período Paleolítico — entre 70 mil e 20 mil anos atrás —, a poligamia era o modelo em vigor e os homens tinham haréns com muitas mulheres.
Friedrich Engels, em seu livro “A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado” (1884), afirma que na Grécia Antiga havia um sistema no qual o homem poderia ser infiel e, até mesmo, ter outras esposas. A mulher, por sua vez, era obrigada a manter a fidelidade, porém poderia desfazer facilmente o casamento e ter os filhos somente para ela.
Engels chega a conclusão que a monogamia tem, possivelmente, sua origem na antiguidade grega, época na qual a organização familiar da sociedade passou a ser fundamentada no patriarcado: o homem tinha o dever de governar sua casa, sua mulher e seus filhos; já a mulher tinha o papel de ter filhos e cuidar deles.
Foi com a intenção de acumular posses e criar a perpetuação de riquezas que a família monogâmica teve início: com a garantia de uma mulher monogâmica, é possível assegurar a continuidade da propriedade privada à prole.
Nesse momento, a união era apenas por conveniência, portanto era totalmente dispensável a existência de algum sentimento entre o casal, visto que eram os pais que escolhiam com quem sues filhes se casariam. A relação entre a monogamia e o amor romântico só surgiu no século XVIII, durante o Romantismo.
Então, aos poucos a monogamia foi ganhando força e virou, enfim, a norma social que comanda as relações afetivas no Ocidente. Tendo isso em vista, fica evidente que a monogamia não é algo natural, e sim cultural.
A não monogamia
Enquanto a monogamia é a maneira de se relacionar em que uma pessoa tenha, exclusivamente, ume companheire — sexual e/ou romântique — por vez, hierarquizando o funcionamento das relações, a não monogamia é um termo guarda-chuva que engloba os diversos tipos de relacionamentos que transgridem as normas monogâmicas.
Existem muitas formas de se relacionar dentro da não monogamia, as mais conhecidas são:
Amor livre: praticantes do amor livre, mesmo dentro de um “relacionamento sério”, têm consentimento para se relacionar afetivamente com qualquer pessoa.
Poliamor: é o relacionamento amoroso entre três ou mais pessoas. O relacionamento poliamoroso pode ser aberto, quando os membros têm permissão para se relacionar com outras pessoas de fora da união; ou fechado, quando os integrantes só podem se relacionar entre si.
Anarquia relacional: é quando não há hierarquia entre relacionamentos, todas as partes são livres para se relacionarem do jeito que quiserem.
O relacionamento aberto também faz parte da não monogamia?
Em um relacionamento aberto, é possível que as duas pessoas tenham relações rápidas e sem compromisso com outros indivíduos. Porém, por haver uma exclusividade afetiva, a maior parte da comunidade não monogâmica não considera que essa forma de se relacionar pertença ao grupo. Isso porque a não monogamia propõe relacionamentos nos quais as pessoas tenham uma liberdade maior para se envolverem com outres sem as limitações que o relacionamento aberto impõe.
A não monogamia e a comunidade LGBTQ+
Dado que a monogamia tem uma profunda ligação com o patriarcado, é presumível o quanto ela é cisheteronormativa. Ainda que pessoas queer sigam esse modelo, ele não foi criado para uniões LGBTQ+.
Tendo isso em vista, a não monogamia tem se tornado uma ferramenta na resistência ao patriarcado e à heteronormatividade. Casais sáficos, por exemplo, têm escolhido viver relações não monogâmicas por uma questão política, visto que a monogamia é usada para controlar os corpos femininos.
Muitas vezes, a bissexualidade é associada à não monogamia, como se todo bissexual fosse não monogâmico, o que não é verdade. Porém, assim como a não monogamia, a bissexualidade traz a ideia de pluralidade, o que, em busca de algo uno, a sociedade tende a excluir. Assim sendo, é fácil prever que o sistema da monogamia se beneficia muito da bifobia.
Isto posto, o aumento da não monogamia se dá numa tentativa de resistência contra o patriarcado e a cisheteronormatividade e, por esse motivo, é importante que se desfaça o discurso da monogamia como único modelo de relacionamento romântico e sexual válido.
Referências
- A propriedade privada e a monogamia | Judith Cerqueira (IBDFAM)
- A monogamia surgiu há 20 mil anos | Público
- Monogamia | JusBrasil
- O que é não monogamia | LabJor
- Não monogamia e Bissexualidade | Frente Bissexual Brasileira
- Relacionamento não monogâmico: como funciona | Psicologia-Online
- Monogamia e a luta LGBT+ | Não mono em foco
- Não monogamia na comunidade lésbica | LGBTQ+ Spacey
Ficha técnica
Escrita: Ingredy Boldrine
Leitura crítica: Chenny
Revisão: Brian Abelha e Lara Moreno