De modo geral, a terapia hormonal cruzada consiste na redução dos hormônios naturais do corpo de uma pessoa e no aumento de hormônios que promovam o efeito físico desejado, como o surgimento de pelos corporais masculinos em pessoas transmasculinas. Esse processo pode ser iniciado tanto em serviços de saúde públicos quanto privados, sendo regulamentados pela legislação brasileira por meio das Portarias n.º 457 e n.º 2803 do Ministério da Saúde, além de seguir recomendações de instituições como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a Endocrine Society e a World Professional Association for Transgender Health. Neste texto, pretende-se discutir um pouco sobre a hormonioterapia para feminização (estrogenioterapia) e masculinização (tratamento androgênico), seus riscos, notas gerais sobre a utilização e formas de acesso ao serviço.
Hormonização e riscos: Estrogenioterapia
A estrogenioterapia é utilizada por pessoas transfem e promove a feminização, resultando em crescimento das mamas, redistribuição da gordura corporal, redução do padrão de crescimento de pelos corporais e faciais masculinos, suavização da pele, redução da massa muscular e da oleosidade. Frequentemente, a utilização isolada de estrogênios não é suficiente para suprimir os androgênios, sendo necessário o uso adjunto de antiandrogênios (bloqueadores hormonais).
Existem diferentes formulações de estrogênios; no entanto, o comprimido oral sintético etinilestradiol não é recomendado por possuir forte conexão com casos de trombose venosa profunda. Fórmulas naturais, como o Estradiol, são preferíveis por permitirem monitoramento laboratorial. Casos de hiperprolactinemia (lactação) também foram reportados em pacientes que utilizaram altas doses por tempo prolongado. Além disso, é necessário observar o aumento do risco de doenças cerebrovasculares e infartos. Até o momento, não há evidência conclusiva sobre um aumento nos casos de câncer. Outros possíveis efeitos são discutidos por Weinand e Safer, 2015 (em inglês).
Hormonização e riscos: Tratamento androgênico
O tratamento androgênico consiste na utilização de testosterona para a alteração de aspectos físicos e fisiológicos. Os efeitos incluem: clitoromegalia (aumento do clitóris), pelos faciais e corporais em padrão masculino, aumento da massa muscular, cessação dos ciclos menstruais, engrossamento da voz, queda de cabelo, entre outros (SBEM, 2020, p. 14). A forma mais comum de administração é por meio de injeções intramusculares; já as aplicações orais, embora muito utilizadas na Europa, podem ter evidência de seu efeito reduzido quando processadas pelo corpo. Em raros casos, é necessário o uso adjunto de progesterona para interromper a menstruação. Os efeitos adversos podem incluir: aumento de glóbulos vermelhos no sangue, hipertensão arterial, ganho de peso, disfunções do fígado, surgimento/piora de acne, alterações psicológicas e comportamento agressivo.
Notas gerais e como acessar
Apesar dos possíveis riscos apresentados, a terapia hormonal cruzada é considerada segura quando feita com acompanhamento médico. Além de segura, estudos indicam que o tratamento reduz o nível de estresse dos pacientes, que reportam maior satisfação com seu corpo, aumento da qualidade de vida e das relações interpessoais. Por isso, é fundamental seguir as recomendações médicas e ajustar o processo de acordo com as expectativas de cada paciente/suas condições. De forma geral, doses elevadas não apresentam efeito contínuo após alguns meses e, embora tenham efeito mais rápido, não são necessárias para atingir certos resultados e podem aumentar os riscos à saúde.O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a hormonização gratuitamente, por meio dos serviços ambulatoriais, sendo as Unidades Básicas de Saúde (postos de saúde) a porta de entrada para o atendimento. No entanto, sempre que possível, recomenda-se buscar serviços especializados à população LGBT+. O acompanhamento deve ser feito por equipe multidisciplinar, sendo, por vezes, necessário diagnóstico de Disforia de Gênero emitido por psiquiatra ou psicólogo. A idade mínima para o início da hormonização, segundo o Ministério da Saúde, é de 16 anos com autorização dos responsáveis legais ou 18 anos sem necessidade de autorização. No entanto, esse órgão segue a linha das resoluções do Conselho Federal de Medicina, que recentemente publicou uma nova resolução constatando que fica vedada a prescrição de bloqueadores para crianças ou adolescentes (menores de 18), a prescrição de terapia hormonal para menores de 18 anos, entre outras alterações a respeito da transição física de gênero. Os serviços ambulatoriais do SUS que oferecem hormonização podem ser verificados na Cartilha Nacional de Serviços para Públicos de Saúde para Pessoas Trans.
Referências
- Unger, C. A. (2016). Hormone Therapy for Transgender Patients. PDF
- Prefeitura de São Paulo. Protocolo para o atendimento de pessoas transexuais e travestis no município de São Paulo. PDF
- Governo do Rio Grande do Sul. Saúde da População LGBT: perguntas mais frequentes. PDF
- SBEM – Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. (2020). Medicina Diagnóstica Inclusiva: cuidando de pacientes transgênero. PDF
- Universidade Federal do Sul da Bahia. (2021). Cartilha Nacional de Serviços de Saúde para Pessoas Trans. PDF
- Weinand, J. D., & Safer, J. D. (2015). Hormone therapy in transgender adults is safe with provider supervision: A review of hormone therapy sequelae for transgender individuals. Journal of Clinical & Translational Endocrinology, 2(2), 55–60. PDF
- CFM: Resolução N° 2.427/2025, de 8 de abril de 2025. PDF
Ficha técnica
Escrita: Bibiana Christofari Hotta
Revisão: Jéssica Larissa O.S. e Déborah Ramos