Times de futebol transmasculinos

Historicamente, o futebol é visto como uma atividade voltada exclusivamente para homens cisgêneros e heterossexuais. Por causa da homofobia e misoginia enraizadas no futebol, é incomum encontrar diversidade nesse meio, o que é visível nos times, nas torcidas e até mesmo nos demais profissionais envolvidos no esporte.

A falta de aceitação das minorias no futebol tem como exemplo as músicas cantadas na arquibancada durante os jogos, que, na intenção de atacar o time rival, frequentemente contêm termos homofóbicos. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) determinou, em 2019, que as atitudes homofóbicas nos estádios poderiam custar três pontos para o time na tabela. Porém, apesar disso, os cânticos ofensivos não deixaram de ser entoados.

Outro exemplo de como ocorre essa exclusão no futebol é que, assim que algum jogador assume fazer parte da comunidade LGBTQ+, ele deixa de ser querido pelo público. Enquanto isso, alguns futebolistas héteros e cis, ao cometerem crimes graves, são perdoados pela sociedade. Por esse motivo é muito raro encontrar algum futebolista profissional assumidamente queer.

Entretanto, com o passar do tempo e com a aquisição dos direitos LGBTQ+, esse cenário tem mudado para melhor. No fim da década de 1970, surgiram as primeiras torcidas gays de futebol, como uma forma de reunir os amantes do esporte que fugiam da heteronormatividade. 

Em 1977, a Coligay — torcida LGBTQ+ do Grêmio — foi a primeira torcida declaradamente gay a ocupar espaço nos estádios de futebol profissional brasileiro. Dois anos depois, houve uma tentativa de criar uma torcida com o mesmo objetivo no Rio de Janeiro: a Fla-Gay, formada por torcedories LGBTQ+ do Flamengo. No entanto, essa iniciativa enfrentou forte resistência, grande parte da torcida flamenguista não aceitou a ideia. Com ameaças de violência, a Fla-Gay não conseguiu comparecer no dia da sua inauguração e nunca pôde ser oficialmente fundada.

Embora esse episódio tenha ocorrido há mais de 40 anos, pessoas LGBTQ+ continuam sofrendo repressão e exclusão no universo dos esportes. As mulheres trans, por exemplo, sofrem proibições explícitas — muitas vezes respaldadas por leis — ao ingressarem em competições na modalidade feminina. A justificativa, desprovida de comprovação científica, é o discurso de que elas têm vantagem sobre mulheres cisgêneros.

Ainda que não haja nenhuma lei que impeça a participação de homens trans nas categorias esportivas masculinas, eles também passam por essa exclusão. Pessoas transmasculinas são invisibilizadas no mundo dos esportes, visto que não existem oportunidades para que eles pratiquem esportes de forma profissional. Em 2020, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) informou ao Globo Esporte que não tem nenhuma previsão de regulamentar a presença de homens trans no futebol.

O atleta Marcelo Nascimento é um exemplo. Teve uma carreira de 16 anos muito bem sucedida no futebol feminino e conquistou diversos títulos antes da sua transição, seu nome estava entre as 10 melhores jogadoras do mundo por 3 anos. Porém, em 2019, após um período perigoso de depressão, decidiu viver a vida que sempre quis e iniciou o tratamento hormonal, mesmo sabendo que para isso, infelizmente, precisaria desistir da sua carreira profissional no futebol.

Hoje em dia, mesmo com todos os títulos que acumulou ao longo de sua trajetória e após muita busca — inclusive por times internacionais —, Marcelo joga apenas de forma amadora, por não conseguir abertura em nenhum time profissional.

Devido à falta de lugar para acolhê-los no futebol, surge a necessidade de criar seu próprio espaço. Nos últimos anos, houve um grande aumento de times formados apenas por homens trans e pessoas transmasculinas.

O primeiro a ser federado é o Fenix FC, fundado em 2023, na Espanha. O nome da equipe remete à fênix, um pássaro da mitologia grega que, ao morrer, queimava e renascia das próprias cinzas. Hugo Martinez, jogador do Fenix FC, recebia insultos e ameaças enquanto jogava no time feminino, mas não se sentia seguro de participar de um time formado por homens cis. Então, buscou outros homens trans que jogavam futebol e encontrou Luke Ibanez, capitão do time, e juntos fundaram a primeira liga transmasculina.

Também existem diversos times transmasculinos no Brasil, Transviver (de Recife) e BigTBoys (do Rio de Janeiro) são alguns exemplos. O primeiro do país é o Meninos Bons de Bola (MBB), de São Paulo. O MBB, criado por Raphael Martins, é um coletivo de esportes de homens trans, suas atividades tiveram início em 2015.

O grupo precisou mudar o lugar do treino diversas vezes por causa de ataques transfóbicos oriundos de frequentadores do local e, até mesmo, de autoridades. A maioria dos jogadores são de baixa renda e, por isso, o clube passou por problemas financeiros, mas em 2021 o MBB conseguiu parceria com a Nike, o que incentivou a ampliação das suas atividades.

Os times transmasculinos não apenas oferecem um espaço no esporte para quem transgride a cisnorma, mas se tornam, também, um lugar seguro e acolhedor, no qual muitos integrantes se enxergam como parte de uma família. O crescente surgimento desses times independentes reflete a urgente demanda por inclusão e visibilidade para pessoas transgênero no cenário esportivo. É necessária a criação de uma regulamentação que permita a participação de homens trans nas competições esportivas, garantindo que o futebol se torne, de fato, uma atividade acessível a todos.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Ingredy Boldrine
Revisão: Viktor Bernardo Pinheiro e Brian Abelha