Paternidade Trans

Quando se fala em gestação e natalidade, todo o foco do assunto costuma se centrar em mulheres cis. Não é errado pensar nelas, mas deve-se tomar cuidado para não invisibilizar outras pessoas que gestam: homens transgêneros e trans não-bináries designades ao feminino ao nascerem.

O gênero é um conceito social e cultural, imposto aos indivíduos de acordo com seus órgãos genitais e que dita padrões a serem seguidos. Dessa forma, ele não tem nada a ver com a biologia corporal de alguém. Falando em termos de gênero, não apenas mulheres cis possuem útero e podem engravidar, mas também outras pessoas cujas identidades fogem do padrão cisgênero. 

Diferente do que muitos acreditam, transgêneros designades ao feminino ao nascerem nem sempre querem passar pela cirurgia de transição em suas genitálias, retirar seus órgãos reprodutivos ou sequer tomar hormônios. Esses, então, continuam capazes de engravidar e ter bebês perfeitamente saudáveis, se assim desejarem — e esse desejo não vai de maneira alguma contra sua transgeneridade. 

No entanto, infelizmente, o sistema de saúde quase nunca está preparado para lidar com pessoas trans em qualquer âmbito, e nos cuidados de gestação não é diferente. Os papéis sociais de gênero impõem a figura de uma mulher dona do lar e  responsável por seus filhos, e a imagem de um homem trans ou não-binárie grávide desafia essa imposição. Elus estão sujeites a uma maior vulnerabilidade e violência médica, além da transfobia de serem tratades como mulheres, seja a gravidez antes ou depois de sua transição. 

Além disso, zelar pelos filhos após seu nascimento também é um desafio. Isso se aplica também a pessoas trans que não necessariamente os geraram, mas os adotaram. Há a preocupação excessiva em proteger os filhos de possíveis ataques LGBTfóbicos, dificuldade de alinhamento entre performance de gênero e noções normativas de paternidade, e muitas vezes ausência de uma rede de apoio familiar.

Porém, apesar dos desafios, é importante não enxergar a paternidade como um sofrimento para homens trans e não-bináries. Ela pode ser desejada e planejada com muito carinho, pois a vontade de ser pai ou mãe independe de gênero. A propósito, o parceiro dessa pessoa trans que gesta não necessariamente será sempre uma pessoa cis. Existem relacionamentos transcentrados — composto por duas ou mais pessoas trans — constituindo família por todo o mundo.

Portanto, é fundamental ressaltar a existência e as particularidades de pessoas trans dentro de debates gestacionais, como o direito ao aborto, a violência obstétrica e as adversidades e vivências pré e pós-natais. A paternidade trans existe e deve ser tratada com cuidado e carinho como qualquer outra.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Nico Baladore
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Lara Moreno, Brian Abelha