Invisibilidade e violência contra pessoas intersexo na sociedade

Intersexo é um termo amplo que define uma variedade de características biológicas —  cromossômicas, genitais, hormonais, gonadais ou de órgãos reprodutores internos — que diferem do padrão binário de sexo.

Estima-se que existam cerca de 40 combinações intersexuais e que essa condição atinja por volta de 0,5% da população mundial. Apesar disso, as pessoas intersexo passam por diversas formas de violência sistêmica, que minam seus direitos, visibilidade e autonomia sobre o próprio corpo. Mesmo sendo uma questão biológica, a garantia dos direitos relacionados aos corpos de pessoas intersexo ocorre no campo social.

A sociedade se estrutura a partir de um conceito de “normalidade” binária que define os corpos que podem ou não ter reconhecimento social. Partindo desse princípio, a existência de indivíduos intersexo é patologizada e condenada à invisibilidade social por transgredirem esse modelo binário. A dificuldade médica em reconhecer que existem outras construções biológicas impacta também a visão social, tornando este um dos maiores obstáculos no avanço dos direitos da comunidade intersexo. Afinal, nenhuma dessas políticas existe em um vácuo: todo o conceito de sexo e gênero é atravessado por questões históricas, políticas, filosóficas e religiosas.

Violência, estigmatização e suas consequências para pessoas intersexo

Uma das principais violações sofridas por indivíduos intersexo é a intervenção cirúrgica realizada logo nos primeiros momentos da infância. Muitos pais tomam essa decisão em um momento de pressão, acreditando que a cirurgia e outras intervenções sejam necessárias para que a criança tenha um desenvolvimento considerado normal e saudável. Mesmo sem comprovação dos supostos benefícios desses procedimentos, médicos continuam a incentivar a intervenção cirúrgica em pessoas intersexo desde a infância.

Os malefícios dessas práticas, entretanto, são amplamente documentados. Ao realizar uma intervenção desse tipo, médicos e familiares negam o direito de autoafirmação da pessoa intersexo. Em muitos casos, há uma desconexão entre o gênero com o qual a pessoa se identifica e o escolhido pelos médicos. Isso acarreta diversas consequências psicológicas, sentimentos de inadequação e problemas psicológicos.

Além disso, a cirurgia pode provocar problemas de sensibilidade, dificuldade na recepção de estímulos e até mesmo esterilização sem consentimento. Esse e outros procedimentos, pautados na lógica da binaridade de gênero, prejudicam a vida de muitas pessoas intersexo antes mesmo delas poderem entender o próprio corpo. A violência se perpetua com base em um ideal binarista, responsável pela estigmatização de indivíduos intersexo, muitos dos quais relatam que o preconceito é um dos principais vetores de sofrimento, e não as diferenças sexuais em si. 

Essa situação gera o que a sociologia denomina “injustiça epistêmica”, ou seja, um dano ao autoconhecimento dos indivíduos, perpetuado pela retenção ou distorção do conhecimento sobre seus corpos e suas identidades.

Invisibilidade social

As cirurgias invasivas e o tratamento médico não são as únicas dificuldades enfrentadas por pessoas intersexo durante o crescimento. A falta de conhecimento e de disseminação de informações prejudica o desenvolvimento social dos indivíduos intersexo, principalmente quando outros sinais diferentes da genital ambígua começam a se manifestar no corpo em períodos como a puberdade. Esse foi o caso da youtuber e ativista intersexo Dionne Freitas, que, no artigo “Direito ao corpo e à vida: a invisibilidade do intersexo no campo social”, relatou ter sofrido perseguição e até agressões quando começou a apresentar características sexuais femininas na adolescência.

A desinformação e a ausência de políticas públicas permitiram que Dionne sofresse com o preconceito, assim como outras pessoas intersexuais no Brasil e no mundo. Mesmo com a criação de entidades como Associação Brasileira Intersexo (ABRAI), em 2018, a Rede Brasileira de Pessoas Intersexo (REBRAPI) e a Intersex Society of North America (ISNA), existem poucas ações voltadas à saúde e ao reconhecimento de pessoas intersexo nas políticas públicas. 

Apesar de fazer parte da sigla e da comunidade LGBTQIAPN+, pessoas intersexo também não são amplamente contempladas em políticas voltadas para a comunidade. O sentimento de inadequação e não pertencimento persiste para a comunidade intersexo, reforçado pela perpetuação do preconceito e da falta de informações. Ainda que haja avanços nas discussões sobre a proibição de cirurgias em recém-nascidos atualmente, a proibição ainda não aconteceu de fato. As vozes das pessoas intersexo, frequentemente silenciadas, precisam ser cada dia mais colocadas em evidência para que seus direitos possam avançar.


Referências

  • Pride Is for Intersex People, Too
  • Visibilidade Intersexo
  • COSTA, Q. A. da, BERNARDES, A. G., & PALMIERE, J. A. da F. (2019). Direito ao corpo e à vida: a invisibilidade do intersexo no campo social. Revista Eletrônica Científica Da UERGS, 5(2), 85–100. Acesso em: 21 ago 2025. Disponível em: https://doi.org/10.21674/2448-0479.52.85-100
  • COSTA, Davide. Intersex and Healthcare: a narrative review of social sciences perspectives. Science & Philosophy, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 97-117, 30 jun. 2025. Acesso em: 25 ago 2025. Disponível em: http://dx.doi.org/10.23756/sp.v13i1.1683.
  • MONRO, S., Wall, S. S., & Wood, K. (2023). Intersex equality, diversity and inclusion and social policy: Silences, absences, and erasures in Ireland and the UK. Critical Social Policy, 44(1), 3-22. Acesso em: 21 ago 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1177/02610183231175055.
  • SILVA, Bárbara Fernandes da. Intersexualidade e corpos “perfeitos”: uma revisão sobre discursos e produção de estigma. 2019. 54f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Sociologia)-Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, 2019. Acesso em: 21 ago 2025. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/14594.

Ficha técnica

Escrita: Camilly Silva
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Jéssica Larissa O.S. e Mariana Correa