Como o racismo influencia no processo psicodiagnóstico

O racismo é o preterimento de uma pessoa ou de um grupo étnico-racial marginalizado, seja ele praticado por uma pessoa, por um grupo ou por instituições. No Brasil, assim como em boa parte do mundo ocidental, o racismo é estrutural, ou seja, essa discriminação dos povos não brancos está enraizada na base da sociedade, das crenças e das práticas culturais, sociais e até científicas. 

Nesse sentido, a Psicologia, enquanto área do saber e prática, não está fora da influência histórica e social do racismo estrutural, o que pode impactar em diversos processos, como a psicoterapia e o psicodiagnóstico.

Por que a Psicologia é influenciada pelo racismo?

Como toda área da ciência, a Psicologia, apesar de prezar pela neutralidade, não está externa à construção social, histórica e cultural que permeia toda a vivência humana. Além disso, os próprios psicólogos, seja em sua prática clínica ou enquanto pesquisadores, também não estão alheios a essa construção e à sua própria subjetividade, o que torna a neutralidade total algo impossível.

Com isso decide-se, a partir de subjetividades construídas social e historicamente, o que vale a pena ou não ser pesquisado, praticado, estudado, enfocado, etc. Após anos de construção da ciência com base racista, alguns vestígios ainda perduram, como os muitos anos de construção de saberes sobre transtornos mentais baseados apenas em estudos feitos com homens brancos. Como resultado, não se compreende de maneira adequada as diferentes manifestações de um transtorno em diferentes contextos, empobrecendo sua concepção deste e excluindo populações marginalizadas.

A prática do psicólogo pode ser racista?

Compreendendo que o psicólogo, enquanto cientista, não é neutro, mas sim influenciado pela construção sócio-histórica da sociedade, e que a própria área da Psicologia também é influenciada pelo racismo estrutural. Podemos perceber que o psicólogo, seja no processo psicoterapêutico ou no processo psicodiagnóstico, pode acabar por reproduzir o racismo sem se dar conta quando não reflete sobre essa estrutura e sobre como sua própria subjetividade é afetada por ela. No entanto,  em 2002, o Conselho Federal de Psicologia estabeleceu, na resolução n. 18, que a prática psicológica não deve favorecer a discriminação, nem reforçar o racismo ou se omitir frente a ele.  

E o processo psicodiagnóstico?

O processo psicodiagnóstico, também conhecido como avaliação psicológica, é a investigação de fenômenos psicológicos para diversos fins, como o processo de receber um diagnóstico de algum transtorno mental para melhor avaliar o tratamento para um indivíduo. Como mencionado anteriormente, décadas de estudos feitos com uma maioria de homens brancos afetam a percepção de um avaliador sobre características de determinados transtornos. No Brasil, mesmo na contemporaneidade, a maioria dos estudos são realizados no Sul e no Sudeste. Além de excluir fatores culturais específicos de outras regiões, limitar esses estudos ao Sul e ao Sudeste, onde há uma maioria populacional branca, pode dificultar o diagnóstico de certos transtornos em uma população não branca.

Em contrapartida, diversos estudos evidenciam uma maior proporção de alguns diagnósticos, em especial os psicóticos, como a esquizofrenia, na população negra. Em tese, isso pode se dar por dois aspectos. Por um lado, são transtornos com forte fator ambiental ligado à vivência de estresse, o que poderia sugerir que as experiências de discriminação racial e de marginalização estrutural podem aumentar o estresse ao longo da vida do indivíduo, assim aumentando a chance do desenvolvimento de certos transtornos. Por outro lado, o avaliador pode ser influenciado pela percepção social racista de pessoas negras como mais violentas e pela percepção capacitista de pessoas esquizofrênicas como violentas, correlacionando essas duas características.

Conclusão

O racismo estrutural influencia as subjetividades de todos, não excluindo os cientistas e trabalhadores da área da saúde. Na Psicologia, isso pode acarretar em diferenças no processo psicoterapêutico e psicodiagnóstico entre pessoas de grupos raciais, marginalizados e não marginalizados, reforçando-se uma sociedade discriminatória, ainda que não propositalmente.

A partir dessa reflexão, evidencia-se a necessidade de refletirmos de maneira consciente sobre a Psicologia e sobre as diferentes áreas da saúde e da ciência como parte de todos os processos sociais existentes, possibilitando a análise desses processos para viabilizar  a mudança.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Bibiana Christofari Hotta
Revisão: Luiza Araujo e Mariana Correa