O que é cultura ballroom

Na década de 1960, a revolta de duas drag queens resultou na criação da cultura ballroom — uma cultura LGBTQ+, periférica, negra e latina, comprometida tanto com a expressão artística de seus membros quanto com a proteção dessas comunidades marginalizadas.

Na época, dentro das periferias estadunidenses, concursos de beleza protagonizados por drag queens e mulheres transgênero eram comuns. No entanto, eram reconhecidos por reforçar preconceitos raciais, visto que era muito difícil que participantes negras conseguissem algum destaque ou  prêmios mais cobiçados nesses eventos.

Revoltadas com esse cenário de exclusão, Crystal LaBeija — mulher trans de descendência negra e latina, e drag queen — junto de sua colega Lottie LaBeija (infelizmente não tão conhecida quanto Crystal) fundaram a Royal House of LaBeija, além de promoverem o primeiro baile (ball) exclusivo para drag queens negras. Foi por meio dessa atitude combatente que se estabeleceram os principais elementos que caracterizam o que se conhece hoje como cultura ballroom

Mas o que exatamente é o ballroom

Pode-se definir o ballroom como um movimento artístico e político. A parte artística encontra-se na organização dos balls (bailes): eventos de cunho festivo e performático destinados às comunidades periféricas, latinas, negras e LGBTs, onde ês participantes competem entre si em diversas categorias, indo desde a dança até a aparência física, em busca de reconhecimento e prêmios, tanto para si mesmes quanto para suas houses. A parte política refere-se à existência das houses não como um espaço físico, mas como um lugar metafórico e simbólico, onde as pessoas são acolhidas e protegidas umas pelas outras, podendo se expressar livremente.

Desse modo, em uma época onde a violência enfrentada pelas comunidades marginalizadas era infinitamente maior, os ballrooms eram uma forma de entretenimento e escape do estresse diário, como também de organização e acolhimento dessas comunidades, visto que muitos jovens expulsos de casa pelas suas famílias biológicas encontravam apoio e conforto dentro do sistema das houses, além de redescobrir seus sonhos e reconhecer seus potenciais através da preparação e participação nas competições.

Voguing/Vogue

Outra característica notável da cultura ballroom é o estilo de dança Voguing, particularizada pelos movimentos que buscam imitar poses de revistas de moda. O estilo surgiu dentro das prisões, onde ês detentes — em especial aqueles pertencentes às comunidades negra e LGBTQ+ — tinham como única forma de entretenimento revistas de moda, especialmente as da Vogue.

Foi por meio do documentário Paris is Burning (1990), que mostra um pouco das práticas da cultura ballroom e da vida de seus integrantes, e do videoclipe Vogue da cantora Madonna — que conta com a participação de algumes entrevistades do documentário —, que o estilo de dança se popularizou, deixando de ser uma criação de/e para pessoas marginalizadas para compor uma parte da cultura mainstream dos anos 1990.

A apropriação do voguing pela indústria da música pop, juntamente com o falecimento dês membres pioneires na construção e consolidação do ballroom, levou à diminuição dos eventos, levando algumes a acreditar que a cultura iria se perder com o passar dos anos. Porém, apesar do breve período de calmaria, o ballroom continua vivo e crescendo até hoje, com o surgimento de novas houses, atualizações nas categorias de competição e com sua expansão para além do território estadunidense, tendo sido incorporado por países europeus, asiáticos e até mesmo pelo Brasil.

O ballroom no Brasil

Em território nacional, apesar de não alcançar a mesma popularidade que em seu país de origem, a cena ballroom tem crescido com o tempo, sendo bastante proeminente no Distrito Federal, onde surgiu a primeira house brasileira, criada pela travesti Eduarda Kona Zion, a House of Hands Up

Destaca-se também o trabalho de Majestade Babilônia para o crescimento da cultura ballroom em São Paulo, mais especificamente na região de Campinas. O Baile Vermelho foi um dos eventos produzidos por Majestade em 22 de outubro de 2022, data próxima à ocorrência do segundo turno para as eleições presidenciais. A celebração — que conta com clipes disponibilizados no YouTube — foi idealizada com o intuito de, por meio de suas categorias performáticas, conscientizar sobre os atos violentos e antidemocráticos do governo de Jair Bolsonaro, bem como promover o otimismo e a esperança de um cenário político melhor e comprometido com a promoção e proteção das comunidades LGBTQs, negras, periféricas e demais grupos marginalizados.A cultura ballroom não é tão conhecida fora das comunidades que a praticam, mas faz uma grande diferença em questão de expressão artística e criação de comunidade. Práticas como o ballroom promovem ambientes seguros para pessoas marginalizadas e trazem uma sensação de pertencimento que fortalece amizades, resistência e saúde mental.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Chenny
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Jéssica Larissa O.S. e Mariana Correa