Pessoas Não-binárias Podem ser Lésbicas?

Nos últimos tempos, graças à maior democratização de acesso a informações sobre pautas sociais, termos como não-binariedade, gênero-fluido, agênero etc., não são mais completamente desconhecidos pelas pessoas. No entanto, muita desinformação ainda ronda essas identidades, trazendo dúvidas a quem é de fora da comunidade LGBTQIA+ e, às vezes, até a quem faz parte. Um dos pontos mais conflituosos é justamente sobre a orientação sexual de pessoas não-binárias, e se elas podem ou não, por exemplo, ser lésbicas.

A resposta simples é: sim, pessoas não-binárias podem ser lésbicas. Mais do que isso, ser lésbica inclui também se atrair por pessoas não-binárias, tendo elas um forte alinhamento feminino ou neutro. Contudo, todas essas expressões podem soar confusas, então devem ser explicadas mais detalhadamente.

Antes de tudo, é importante entender a diferença entre gênero e sexualidade. O gênero é uma construção social, não necessariamente em conformidade biológica, e define como o indivíduo se percebe na coletividade, seja homem, mulher ou algum gênero dentro do espectro não-binário. Já a sexualidade leva em conta a atração que se sente pelos outros, considerando tanto seu gênero quanto o de quem é seu objeto de atração.

Entendendo isso, o assunto avança para um ponto fundamental das discussões de gênero e sexualidade: pessoas não-binárias podem se entender com as mesmas orientações sexuais de pessoas binárias, como heterossexual, homossexual, bissexual, assexual… Da mesma forma, nenhuma orientação exclui a atração por não-bináries, a não ser que exclua por bináries também, como no caso da assexualidade estrita

Isso acontece porque a sexualidade considera o alinhamento de gênero, não apenas um rótulo fechado. O alinhamento visa nortear a identidade não-binária numa conexão com algum gênero, podendo ser feminino, masculino, neutro, e mais. Isso é considerado principalmente quando se fala de hetero e homossexualidade, que são erroneamente definidas na maioria das vezes como atração apenas “pelo gênero oposto” e “pelo mesmo gênero”, respectivamente.

Portanto, retornando ao foco inicial, pessoas não-binárias podem ser lésbicas, e lésbicas podem se atrair por pessoas não-binárias. Além do mais, lésbicas em não conformidade de gênero, inclusive aquelas que se identificavam dentro da não-binariedade, foram e ainda são uma frente ampla de resistência contra a LGBTQfobia e o patriarcado. Sobre isso, Monique Wittig, escritora francesa queer, desfem e feminista, escreveu:

“Nossa primeira tarefa, ao que parece, é desassociar completamente “mulheres”  (a classe dentro da qual lutamos) de “mulher”, o mito. Pois “mulher” não existe para nós, é apenas uma formação  imaginária, enquanto “mulheres” são o produto de uma relação social.” (O pensamento hétero e outros ensaios, 1980).

Entender a existência de lésbicas não-binárias é, fora um ato de respeito, entender a história da comunidade LGBTQIA+ e de uma luta anti-transfobia e lesbofobia que perdura até os dias de hoje.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Nico Baladore
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Brian Abelha