Autocuidado Trans

O cuidar do corpo e da mente é questão fundamental para se manter uma vida saudável. Tratando-se de pessoas trans, é apresentado uma maior dificuldade na conciliação do cuidado com o corpo e a mente.

Pensando nisso, iremos apresentar algumas estratégias adotadas por pessoas trans para amenizar a própria disforia e alcançar uma maior passabilidade social. Apesar disso, vale lembrar que não é obrigatório você sentir disforia ou atender a essas estratégias para se considerar trans As estratégias foram reunidas visando o maior conforto da pessoa trans com o próprio corpo, algo que é muito mais importante do que uma passabilidade e aceitação social.

Por motivos de praticidade, serão utilizados termos como AMAB — Designade Homem ao Nascimento — e AFAB — Designade Mulher ao Nascimento —, assim como travesti, que é uma identidade de gênero latina. Dito isso, as estratégias buscam uma alteração corporal e, como toda alteração corporal, existem pontos negativos e cuidados a se tomar para amenizar/evitar eles. Algumas das estratégias são específicas para determinados corpos, como a utilização de binder por AFABs e a de calcinhas de aquendar para AMABs, enquanto outras são mais gerais, como a hormonização e a realização de cirurgias.

As estratégias são alterações adotadas por pessoas trans para se sentirem mais confortáveis com o seu corpo e/ou serem reconhecidas dentro dos parâmetros sociais de um dado gênero, o que também é considerado um fator de proteção contra violências de cunho transfóbico.

Sendo divididas em alterações permanentes ou transitórias, existem diversas tecnologias que auxiliam pessoas traz a se sentirem melhores com o próprio corpo, como o uso de dispositivos removíveis — packer, binder, calcinhas de aquendar, próteses mamárias e outros —, intervenções de caráter cosmético — uso de minoxidil, remoção de pelos a laser ou por alteração na pele —, hipertrofia muscular — realizar exercícios que favorecem o aumento dos glúteos, das coxas, do peitoral, dos bíceps e outros —, terapia vocal, hormonais ou cirúrgicas. 

Utilização de Calcinha de Aquendar

Aquendar — ou tucking — é um termo utilizado para o ato de disfarçar o volume do pênis na roupa. O método pode ser utilizado por pessoas transfemininas ou por drags. De modo geral, existem diversos métodos para o aquendamento, porém o mais seguro é na base da utilização de calcinhas de aquendar, que são próprias para a prática.

Para aquendar, alguns cuidados são necessários:

  1. Evite ficar muito tempo com a neca presa: A sua parte íntima precisa respirar, sendo assim, quanto menos tempo você puder manter a sua genitália aquendada, melhor. Evite utilizar o método muitas horas por dia. Caso sinta dormência ou formigamento, solte a neca, desfazendo o tucking. Se persistirem os sintomas, busque um médico. 
  1. Cubra a ponta do pênis com papel higiênico ou gaze: Manter o pênis próximo do ânus pode causar infecções, e o papel ou gaze evita a entrada de germes na uretra. Usualmente, as calcinhas de aquendar já vem prontas para isso, porém elas tendem a ser caras.
  1. Não use muita pressão ou puxe com muita força na hora de fazer o tucking: Uma das formas mais simples de fazer o tucking é prender a parte externa dos órgãos genitais entre as pernas. Caso opte por usar fita adesiva, escolha esparadrapo do tipo micropore, que permite uma maior respiração da pele e menos risco de alergias. No caso da fita, você terá menos dificuldade de retirá-la se você raspar os pelos pubianos — lembrando que a pele recém raspada é sensível, então é recomendado que espere pelo menos 2 dias antes de fazer o tucking.
  1. Após a remoção da fita adesiva, deixe que o órgão volte naturalmente à sua forma original: na hora de desfazer o tucking, você deve banhar ou umedecer a área com um pano. Quando a fita estiver bem molhada, puxe-a cuidadosamente e lentamente, para não machucar a pele. Lave e seque completamente.
  1. Não durma com a neca presa!!

Vale pontuar que qualquer cuidado é pouco, e que o uso prolongado do método pode causar a torção testicular, inchaços e varizes na região escrotal, além de mau cheiro e da proliferação de germes. Também é recomendado que o tucking não seja realizado próximo à data de realização da cirurgia de redesignação genital, visando preservar o tecido do pênis e da bolsa escrotal.

Utilização do Binder

Utilizado por transmascs e pessoas trans AFABs de modo geral, a prática do binding tem como objetivo prender o tecido mamário, dando um aspecto de peitoral liso. Na mídia, é possível ver pessoas transmasculinas realizando a prática com fitas e bandagens, no entanto, tais métodos são inseguros. A realização do binding de forma segura pode ser feita com binders comerciais, sutiãs/tops esportivos, layers de tecidos e materiais elásticos. 

Ainda assim, como qualquer produto que busca alterar o corpo, o binder apresenta alguns efeitos colaterais e riscos, visto que afeta a pele, os músculos e o movimento quando utilizado por muito tempo. Um binder muito apertado também vai dificultar a circulação de ar pelo corpo, criando ambientes úmidos e quentes, que são propícios ao desenvolvimento de bactérias e infecções fúngicas. Alguns outros efeitos colaterais seriam: Dor nas costas, peito, ombro e abdômen, cicatrizes, sensibilidade da pele, coceira, inchaço e perda de ar.

Entretanto, o binder apresenta uma melhora significativa no âmbito psicológico e emocional, diminuindo o sentimento de disforia, assim como de ansiedade ou de pensamentos suicidas, enquanto aumenta significativamente o sentimento de confiança em público e a autoestima.

Aqui vão algumas dicas para o uso menos nocivo do binder:

  1. Não oculte os intrusos com o binder por muito tempo: O uso excessivo do binder aumenta a suscetibilidade dos efeitos negativos. Por isso, o ideal é não utilizá-lo mais do que 8h por dia, e nem vários dias consecutivos. Além disso, dormir de binder é extremamente perigoso e deve ser evitado a todo custo.
  1. Evite usar binder em atividades físicas: Utilizar binder durante a atividade vai exigir muito do seu corpo, além de facilitar o desenvolvimento de infecções, devido ao suor. É recomendado o uso de sutiã/top esportivo durante a prática.
  1. Encontre o tamanho ideal: Não utilize um binder muito apertado ou de um tamanho menor. Se ele causa dores, dificuldade para respirar ou cortes, então o tamanho está incorreto. Um binder  ideal deve permitir a circulação de ar e uma respiração normal. Procure tecidos respiráveis e seguros, de preferência em lojas especializadas.
  1. Não tente esconder os intrusos com fita adesiva, plástico filme ou bandagens: Como foi mencionado anteriormente, esses materiais são os maiores responsáveis pelos efeitos negativos. A fita adesiva danifica a pele, e as bandagens ficam mais apertadas na medida em que você se movimenta. Sutiãs esportivos, camadas de blusas ou roupas de compressão esportivas ou de neoprenes são as opções que apresentam a menor quantidade efeitos negativos.
  1. Está planejando fazer mastectomia? Use menos binder: O uso de binder frequentemente causa a perda da elasticidade da pele, dificultando assim futuras cirurgias, tornando-as mais complexas e até mesmo impossíveis de serem realizadas.
  1. Ouça seu corpo: Se você está sentindo dor ou falta de ar, retire seu binder. Pode ser que ele seja muito pequeno ou que você esteja usando o binder de forma muito frequente, de qualquer forma, deixe o seu corpo respirar.

Tratamento Hormonal

O uso de hormônio sem o acompanhamento do serviço de saúde é extremamente problemático, podendo envolver hormônios inadequados, de procedência duvidosa ou utilizados incorretamente — doses perigosas ou aplicadas de maneira inadequada. 

O Ministério da Saúde ainda não possui um protocolo de cuidados cirúrgicos e clínicos direcionado ao tratamento hormonal de pessoas trans, porém alguns estados possuem grupos ou comitês técnicos que podem oferecer recomendações específicas a profissionais de saúde.

De acordo com o Processo Transexualizador do SUS — Sistema Único de Saúde—, a hormonioterapia é recomendada para pessoas que tenham pelo menos 18 anos, assim como a cirurgia é limitada para pessoas com 21 anos e que tenham um acompanhamento multiprofissional por pelo menos 2 anos. 

Para transfem, travesti e trans AMABs de modo geral, as possibilidades de cirurgias são:

  • Redesignação Genital: Orquiectomia com amputação do pênis, Neocolpoplastia e cirurgias complementares (Reconstrução neovaginal, meatotomia, meatoplastia, correção dos lábios vulvares, correção de clitóris, tratamento de deiscências e fistulectomia);
  • Plástica mamária bilateral: Próteses mamárias de silicone;
  • Tireoplastia: Redução do “Pomo de Adão”;
  • Cirurgia em cordas vocais

Vale ressaltar que o silicone industrial possui diversos riscos e é um grande fator que afeta a população transfeminina, tornando necessário um acompanhamento com ê profissional de saúde para o melhor plano de alteração corporal.

Já para transmasc e AFABs de modo geral, temos:

  • Redesignação genital: Vaginectomia, Neofaloplastia, Implante de próteses penianas e testiculares, Clitoroplastia.
  • Mamoplastia Masculinizadora: Ressecção de mamas, reposicionamento do complexo aréolo mamilar;
  • Histerectomia com anexectomia e colpectomia: Ressecção de útero e ovários

Apesar da quantidade de cirurgia, a maior parte dos serviços públicos que a disponibilizam encontram-se saturados e com poucas vagas, principalmente para os procedimentos de redesignação genital.

Conclusão

Finalizando, os métodos apresentados não são obrigatórios, além de existirem diversos casos que não se encaixam nesses cuidados. Dito isso, caso venha utilizar algum desses métodos, pedimos de coração que tome cuidado, busque acompanhamento com profissionais da saúde e pergunte a pessoas trans mais experientes, ou até mesmo para a equipe da Spacey. A luta de pessoas trans é difícil, mas você não tem que lutar sozinhe.