Proibição do Pronome Neutro

A pauta da linguagem neutra vem cada vez mais ganhando força no Brasil, o que, consequentemente, chama a atenção. Com isso, nota-se uma forte aversão de grupos mais conservadores, que buscam a proibição do uso da linguagem em instituições de ensino, sob o pretexto de doutrinação da tão temida “Ideologia de gênero”.

Mas, para entender porquê a neolinguagem não deve ser proibida, é preciso entender para que ela serve e qual a sua importância.

A Evolução da Língua

Para começar, é necessário pensar que a realidade pode ser interpretada de várias formas, e a principal das ferramentas para o entendimento dela é a linguagem. As várias interpretações da realidade necessitam de uma palavra para que possa ser dita e entendida.

Um exemplo disso é um estudo do intelectual britânico William Ewart Gladstone, que estudou várias obras gregas e percebeu que o grupo ignorava o azul. Os céus e os mares eram sempre descritos como pretos, brancos ou com frases poéticas, como “a aurora com seus dedos rosados”. Mais tarde, descobriu-se que no Alcorão, em antigas histórias chinesas, em versões antigas da Bíblia, em hebraico, nas sagas islandesas e até nas escrituras hindus, as Vedas, a palavra azul também não era mencionada.

O que acontece é que a palavra azul não existia ainda. A conclusão que se pode tirar disso é que, até que uma forma de interpretar a realidade se torne comum, nós podemos ver o que está a nossa frente, mas não conseguimos falar sobre o que estamos vendo, e se não temos como explicar uma ideia, ela se torna impossível de ser comunicada.

E isso se aplica a, por exemplo, pessoas não binárias. A ideia do(s) neopronomes é justamente fugir da dicotomia ele/ela, devido à sua associação com homem/mulher. A pauta da neolinguagem, também envolve “permitir” que pessoas não binárias sejam reconhecidas também, mesmo quando essas mesmas pessoas usam ela/ele.

Contracultura

Um ponto a se ressaltar é como o pronome neutro é um movimento de contracultura. Movimentos contraculturais são respostas à marginalização de um grupo, buscando uma revolução comportamental liderada pela juventude. No Brasil da década de 60, tivemos diversos exemplos de movimentos de contracultura, como a força do movimento estudantil, tendo diversos eventos com apoio desses grupos que lutavam contra a repressão e censura da ditadura.

O objetivo da gramática normativa é ensinar as pessoas a falar e escrever, de forma que facilite a intercomunicação, consciente das mudanças linguísticas a favor do tempo e necessidade.

Há a existência de uma luta contra o elitismo linguístico brasileiro, já que a norma culta foi criada por uma maioria social que não respeita a diversidade e nega a existência de minorias, tal qual não-bináries. Enquanto isso, no entanto, o ensino brasileiro muitas vezes foca no aprendizado da língua de forma não-prática, com regras que nem sempre é preciso saber, fornecendo a habilidade da resolução de pegadinhas e se esquecendo que o sentido da língua é a compreensão na comunicação. 

Ainda assim, apesar de tudo, tais problemáticas de ensino acabam sendo deixadas de lado por conta da luta contra a (suposta e inexistente) ideologia de gênero, baseada na doutrinação nas escolas, na performance de homens nus e na criação de banheiros onde homens se fingem de mulheres trans para abusar de mulheres cis — como se um homem cis precisasse disso para violentar alguém sem sofrer as consequências. Além dos problemas inexistentes, a luta se volta também contra pautar importantes na comunidade não-binária, como a substituição dos termos pai e mãe em documentos, assim como a inclusão de especificação de sexo no modelo masculino, feminino e não-especificado, e banheiros realmente inclusivos.

Tais “lutas” acarretam em uma reação estatal, como por exemplo a do estado de Rondônia, que sancionou uma lei que estabelece uma medida protetiva ao direito des estudantes ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino. No entanto, o ministro Fachin/STF decide: “Ante o exposto, defiro, ad referedum, do Plenário do Supremo Tribunal Federal a medida cautelar nesta ação direta de inconstitucionalidade para suspender a Lei do Estado de Rondônia n. 5.123, de 2021, até o julgamento de mérito”. Além do exemplo de Rondônia, há pelo menos 34 propostas, que tramitam em assembleias legislativas do país, contra o uso da linguagem neutra.

E, levando em conta todo esse esforço para pôr abaixo algo que, admita, não vai deixar de existir e crescer, esforço esse vindo não apenas de grupos conservadores da direita, como também de determinados grupos da esquerda, é interessante expressar alguns pontos acerca da linguagem neutra: Ela não é uma obrigação imposta por nenhum movimento LGBTQIAP+, mas sim uma discussão que propõe uma modificação na língua portuguesa para incluir pessoa trans não-binárias, intersexos e as que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino.

Conclusão

De modo geral, o objetivo é a criação e utilização de um gênero neutro na hora de se referir a um coletivo ou a uma pessoa que não se encaixa no binarismo. E isso não inclui apenas pessoas não-binárias, mas a pauta do gênero na língua é presente no feminismo há tempos, e a demarcação de gênero na língua portuguesa fica ainda mais curiosa quando você se dá conta de que, no Latim, a nossa língua originária, existiam formas neutras de comunicação, que se perderam na adaptação ao português.

Vale lembrar que o Brasil não é o único país onde a linguagem neutra é discutida. No inglês, o pronome “they” é utilizado como neutro há décadas, crescendo ainda mais conforme a comunidade trans não-binária se torna mais visível.

De fato, a modificação gramatical em línguas latinas apresenta uma maior complexidade quando comparadas com inglês ou alemão, línguas essas que já possuem um pronome neutro oficial. Entretanto, mesmo diante das dificuldades morfológicas, a modificação não é impossível, e isso não deve ser tratado como uma forma de “destruir” ou “acabar” com a língua.

No caso do Brasil, a proposta da utilização de linguagem neutra necessita, além de uma vontade política dentro de áreas educacionais e da sociedade no geral, de uma união de diversos setores da sociedade, para assim desenvolver uma sistema linguístico que não só possa ser aprendido por aquelas pessoas já alfabetizadas, como por aquelas que ainda irão vir a ser.