Quem é Laerte?

Laerte Coutinho é uma cartunista, roteirista e chargista trans brasileira, sendo uma das maiores e mais influentes referências na área de artes gráficas. 

Imagem horinzontal mostrando Laerte em pé, segurando um leque em uma das mãos, com o rosto voltado pra frente. Ela é uma mulher branca, com cabelos longos cabelos escuros, presos em um rabo de cavalo, que cai sobre seu ombro direito. Usa uma blusa branca sem mangas, colares e brincos vermelhos, e pulseiras nos dois braços e óculos de armação clara. Seus cabelos escuros estão presos em um rabo de cavalo, e ela usa óculos de armação clara. O braço direito com que segura o leque está erguido e apoiado no braço esquerdo, dobrado sobre seu abdômen. Seu sorriso é discreto, com lábios levemente curvados. Ao fundo, há uma parede coberta por quadrinhos de sua autoria.

A artista nasceu em 10 de junho de 1951, na cidade de São Paulo, e em 1969 ingressou na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), onde estudou música e jornalismo, porém não concluiu nenhum dos dois. Em contrapartida, havia se formado no Curso Livre de Desenho da Fundação Álvares Penteado, em 1968.

A partir de 1970, enquanto estava na ECA, começou a trabalhar na revista Sibila, onde iniciou sua carreira profissional, publicando desenhos de um personagem chamado Leão. No mesmo período, criou a revista de quadrinhos Balão, juntamente com o cartunista Luiz Gê, e publicou seus trabalhos em outros dois veículos — Placar, uma revista esportiva, e Banas, uma revista  de economia.

Imagem de uma ilustração em preto e branco no estilo história em quadrinhos de uma mão segurando um revólver, do qual está saindo um balão de fala com a palavra "Balão" escrita. Abaixo do balão, está escrito "Nov./72 - Ano I - Nº1". À esquerda do revólver, um símbolo de alvo com uma lâmpada ao centro.

No ano de 1974, teve duas importantes conquistas em suas carreira: sua primeira publicação em jornal, na Gazeta Mercantil, e o primeiro prêmio no 1º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, com a charge “O Rei Estava Vestido”. Foi neste ano também que demonstrou o engajamento político presente nos seus trabalhos até hoje, colaborando em jornais de sindicatos, especialmente o Sindicato dos Metalúrgicos, e produzindo cartões de solidariedade em prol de auxílio aos presos políticos, além de contribuir com material de divulgação para o Movimento  Democrático Brasileiro (MDB), durante a campanha política. Em 1978, fundou a empresa Oboé, voltada para a publicação de material de comunicação para sindicatos, por sugestão do então metalúrgico na época e atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A imagem é um tirinha em preto e branco representando uma assembleia. Uma longa mesa com várias pessoas sentadas, enquanto um público engajado está reunido abaixo. Na ponta direita da mesa, um home está de pé, de frente ao público, com um microfone na mão, gesticulando com a mão levantada. No canto inferior esquerdo da imagem, está escrito “Laerte”.

Ao longo dos anos 1980, não só publicou nas revistas Geraldão, Chiclete com Banana e Circo, mas também lançou sua própria revista, Piratas do Tietê. Nos anos seguintes, teve seus trabalhos publicados em jornais, como O Pasquim, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e nas revistas Veja e IstoÉ. Em 1985, lançou seu primeiro livro, “O Tamanho da Coisa”, uma coletânea de suas charges.

Dentre suas inúmeras publicações, destacam-se “Overman”, “Muriel” (anteriormente referida como Hugo Baracchini), “Suriá”, “Deus”, “Os Piratas do Tietê”, “O Homem-Catraca” e “Los Três Amigos” (em colaboração com duas outras importantes figuras dos quadrinhos brasileiros e também seus amigos, Angeli e Glauco).

 Imagem da capa de revista em quadrinhos apresentando um super-herói em um traje amarelo e lilás descansando em um beliche e assistindo à televisão que está entre suas pernas, cercado por um ambiente bagunçado. Ele está segurando em uma mão uma garrafa e na outra e um saco de salgadinhos, com uma lâmpada pendurada acima. Na parte superior da imagem, centralizado, o titulo “OVERMAN O ÁLBUM O MITO” e acima está escrito “Laerte”.
 Imagem da capa de um livro de tirinhas, com fundo vermelho. Ao centro da imagem, está um pirata escrevendo num pergaminho com uma pena, sentado à frente de um barril. Na parte superior da imagem, centralizado, o título “Piratas do Tietê 2” e, abaixo, o subtítulo “Histórias de pavio curto”.
 Imagem da capa de história em quadrinhos, com fundo preto. Ao centro da imagem, estão três homens usando chapéus de abas largas, amarrados a um cacto e à frente de uma fogueira. Várias pessoas cercam os personagens empunhando machados, tridentes e garrafas. Na parte superior da imagem, centralizado, o título “Los 3 Amigos” e, abaixo, o subtítulo “Sexo, Drogas, y Guacamoles”.

Também trabalhou como roteirista para renomados programas de televisão (TV Pirata, TV Colosso e Sai de Baixo), para um quadro do Fantástico (Vida ao Vivo) e para o curta de animação Los Três Amigos, ganhador do prêmio Troféu HQ Mix. Ao longo de sua carreira, recebeu e recebe muitas premiações e homenagens.

Entre os anos 2000 e 2010, Laerte passou por significativas transformações pessoais, que incluíram questionamentos acerca de sua identidade e sua percepção de si, como pessoa e como artista. Em consequência disso, Laerte adentrou o universo feminino, a partir do crossdressing e, posteriormente, afirmou-se enquanto uma mulher trans. Esse processo de autodescoberta foi incorporado em seu trabalho através das tirinhas da personagem Muriel, explorando sua jornada de transição e aceitação de gênero como mulher trans.

Imagem de um quadrinho em que uma mulher branca, de cabelo curto, maquiada, com uma rosa entre os dentes diz: “Não me chame de Hugo, tá? Sou Muriel!”, enquanto um homem baixo e gordo, de braços cruzados pergunta: “Desde quando?”.

Em 2012, Laerte expandiu sua carreira no audiovisual para além da criação de roteiros, ao estrear como protagonista do curta-metragem, “Vestido de Laerte”, dirigido por Cláudia Priscilla e Pedro Marques, que, ao mostrar as dificuldades e burocracias da cartunista para conseguir um documento que a autorizasse o uso do banheiro feminino, escancara um das muitas problemáticas vivenciadas pela comunidade trans, incluindo a própria Laerte. 

Em entrevista recente ao programa “Dando a Real com Leandro Demori”, exibido pela TV Brasil, Laerte relatou que, após um episódio de discriminação ocorrido no banheiro de uma padaria, decidiu buscar informações que lhe dessem respaldo legal e impedissem que fosse submetida novamente ao mesmo constrangimento e desrespeito. Essa busca fez com que ela se deparasse com a lei estadual nº 10.948/01, que versa sobre práticas de discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero e suas devidas penalidades. 

Em 2014, participou do documentário “De Gravata e Unha Vermelha”, com direção e roteiro da cineasta e psicanalista Miriam Chnaiderman, que reúne experiências e histórias de diferentes pessoas que questionam e transgridem o binarismo de gênero e propõem novas perspectivas de ser e existir no mundo — pessoas transgêneras e travestis, drag queens, crossdressers etc. Além de Laerte, o documentário conta com relatos de outras personalidades como Ney Matogrosso, Candy Mel, Rogéria e Elke Maravilha. O longa-metragem ganhou o prêmio Felix, voltado a filmes com temática LGBTQIA+, no Festival do Rio.

Ainda no ano de 2012, a cartunista foi uma das cofundadoras da Associação Brasileira de Transgêneras (ABRAT), uma organização que visa defender a liberdade de expressão, os direitos e a inclusão de pessoas transgênero na sociedade brasileira, e do projeto TRANSEMPREGOS, destinado à empregabilidade de pessoas trans no mercado de trabalho.

Em 2015, tornou-se apresentadora do programa “Transando com Laerte”, exibido pelo Canal Brasil, onde Laerte recebe diverses artistas com quem tem conversas informais, divertidas e irreverentes sobre temáticas variadas. Em 2017, ela compartilhou com o público seu cotidiano e sua intimidade, refletindo sobre mudanças na sua vida e arte, sua transgeneridade e sua relação com o próprio corpo, no documentário Laerte-se, com direção de Eliane Brum e Lygia Barbosa. 

Em 2021, no dia do seu aniversário de 70 anos, teve todo seu acervo reunido e disponibilizado em um site para todo o público. Suas obras são marcadas por um tom ácido e mordaz e um humor irônico, que nunca deixam de apontar as hipocrisias, controvérsias e absurdos da realidade social, política e econômica do país. A reflexão que sua obra provoca pode não ser de imediata compreensão para muitas pessoas, considerando a sutileza presente em suas tirinhas, porém, a partir do momento que se instala, mantém-se na mente do público por um longo tempo. 

Aos 73 anos, Laerte consagra-se como uma importante personalidade dentro da comunidade LGBTQIA+, tanto por sua arte vibrante e transformadora como ela própria, quanto por sua fascinante e particular história de empoderamento e afirmação de sua identidade.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Mell Martem
Leitura crítica: Chenny
Revisão: Viktor Bernardo Pinheiro e Brian Abelha