Laerte Coutinho é uma cartunista, roteirista e chargista trans brasileira, sendo uma das maiores e mais influentes referências na área de artes gráficas.
A artista nasceu em 10 de junho de 1951, na cidade de São Paulo, e em 1969 ingressou na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), onde estudou música e jornalismo, porém não concluiu nenhum dos dois. Em contrapartida, havia se formado no Curso Livre de Desenho da Fundação Álvares Penteado, em 1968.
A partir de 1970, enquanto estava na ECA, começou a trabalhar na revista Sibila, onde iniciou sua carreira profissional, publicando desenhos de um personagem chamado Leão. No mesmo período, criou a revista de quadrinhos Balão, juntamente com o cartunista Luiz Gê, e publicou seus trabalhos em outros dois veículos — Placar, uma revista esportiva, e Banas, uma revista de economia.
No ano de 1974, teve duas importantes conquistas em suas carreira: sua primeira publicação em jornal, na Gazeta Mercantil, e o primeiro prêmio no 1º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, com a charge “O Rei Estava Vestido”. Foi neste ano também que demonstrou o engajamento político presente nos seus trabalhos até hoje, colaborando em jornais de sindicatos, especialmente o Sindicato dos Metalúrgicos, e produzindo cartões de solidariedade em prol de auxílio aos presos políticos, além de contribuir com material de divulgação para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), durante a campanha política. Em 1978, fundou a empresa Oboé, voltada para a publicação de material de comunicação para sindicatos, por sugestão do então metalúrgico na época e atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao longo dos anos 1980, não só publicou nas revistas Geraldão, Chiclete com Banana e Circo, mas também lançou sua própria revista, Piratas do Tietê. Nos anos seguintes, teve seus trabalhos publicados em jornais, como O Pasquim, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e nas revistas Veja e IstoÉ. Em 1985, lançou seu primeiro livro, “O Tamanho da Coisa”, uma coletânea de suas charges.
Dentre suas inúmeras publicações, destacam-se “Overman”, “Muriel” (anteriormente referida como Hugo Baracchini), “Suriá”, “Deus”, “Os Piratas do Tietê”, “O Homem-Catraca” e “Los Três Amigos” (em colaboração com duas outras importantes figuras dos quadrinhos brasileiros e também seus amigos, Angeli e Glauco).
Também trabalhou como roteirista para renomados programas de televisão (TV Pirata, TV Colosso e Sai de Baixo), para um quadro do Fantástico (Vida ao Vivo) e para o curta de animação Los Três Amigos, ganhador do prêmio Troféu HQ Mix. Ao longo de sua carreira, recebeu e recebe muitas premiações e homenagens.
Entre os anos 2000 e 2010, Laerte passou por significativas transformações pessoais, que incluíram questionamentos acerca de sua identidade e sua percepção de si, como pessoa e como artista. Em consequência disso, Laerte adentrou o universo feminino, a partir do crossdressing e, posteriormente, afirmou-se enquanto uma mulher trans. Esse processo de autodescoberta foi incorporado em seu trabalho através das tirinhas da personagem Muriel, explorando sua jornada de transição e aceitação de gênero como mulher trans.
Em 2012, Laerte expandiu sua carreira no audiovisual para além da criação de roteiros, ao estrear como protagonista do curta-metragem, “Vestido de Laerte”, dirigido por Cláudia Priscilla e Pedro Marques, que, ao mostrar as dificuldades e burocracias da cartunista para conseguir um documento que a autorizasse o uso do banheiro feminino, escancara um das muitas problemáticas vivenciadas pela comunidade trans, incluindo a própria Laerte.
Em entrevista recente ao programa “Dando a Real com Leandro Demori”, exibido pela TV Brasil, Laerte relatou que, após um episódio de discriminação ocorrido no banheiro de uma padaria, decidiu buscar informações que lhe dessem respaldo legal e impedissem que fosse submetida novamente ao mesmo constrangimento e desrespeito. Essa busca fez com que ela se deparasse com a lei estadual nº 10.948/01, que versa sobre práticas de discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero e suas devidas penalidades.
Em 2014, participou do documentário “De Gravata e Unha Vermelha”, com direção e roteiro da cineasta e psicanalista Miriam Chnaiderman, que reúne experiências e histórias de diferentes pessoas que questionam e transgridem o binarismo de gênero e propõem novas perspectivas de ser e existir no mundo — pessoas transgêneras e travestis, drag queens, crossdressers etc. Além de Laerte, o documentário conta com relatos de outras personalidades como Ney Matogrosso, Candy Mel, Rogéria e Elke Maravilha. O longa-metragem ganhou o prêmio Felix, voltado a filmes com temática LGBTQIA+, no Festival do Rio.
Ainda no ano de 2012, a cartunista foi uma das cofundadoras da Associação Brasileira de Transgêneras (ABRAT), uma organização que visa defender a liberdade de expressão, os direitos e a inclusão de pessoas transgênero na sociedade brasileira, e do projeto TRANSEMPREGOS, destinado à empregabilidade de pessoas trans no mercado de trabalho.
Em 2015, tornou-se apresentadora do programa “Transando com Laerte”, exibido pelo Canal Brasil, onde Laerte recebe diverses artistas com quem tem conversas informais, divertidas e irreverentes sobre temáticas variadas. Em 2017, ela compartilhou com o público seu cotidiano e sua intimidade, refletindo sobre mudanças na sua vida e arte, sua transgeneridade e sua relação com o próprio corpo, no documentário Laerte-se, com direção de Eliane Brum e Lygia Barbosa.
Em 2021, no dia do seu aniversário de 70 anos, teve todo seu acervo reunido e disponibilizado em um site para todo o público. Suas obras são marcadas por um tom ácido e mordaz e um humor irônico, que nunca deixam de apontar as hipocrisias, controvérsias e absurdos da realidade social, política e econômica do país. A reflexão que sua obra provoca pode não ser de imediata compreensão para muitas pessoas, considerando a sutileza presente em suas tirinhas, porém, a partir do momento que se instala, mantém-se na mente do público por um longo tempo.
Aos 73 anos, Laerte consagra-se como uma importante personalidade dentro da comunidade LGBTQIA+, tanto por sua arte vibrante e transformadora como ela própria, quanto por sua fascinante e particular história de empoderamento e afirmação de sua identidade.
Referências
- A história de vida de Laerte Coutinho | Museu da Pessoa
- Cartunista Laerte fala sobre carreira e vida pessoal | Agência Brasil
- Laerte fala sobre charges e direitos humanos | ABRAJI
- SJSP
- Laerte: vida e arte | PET Química
- Transando com Laerte | Catraca Livre
- O misterioso labirinto da obra da Laerte | Gibizilla
- Laerte: heroína trans ou homem vestido de mulher? | Jornal da USP
- Conheça a esplêndida carreira da cartunista Laerte Coutinho | Aventuras na História
- Barquinho Cultural
Ficha técnica
Escrita: Mell Martem
Leitura crítica: Chenny
Revisão: Viktor Bernardo Pinheiro e Brian Abelha