Validação CHAP

“CHAP” é uma sigla para cis, hétero, allo e perisexo. O termo surgiu recentemente no Twitter, como uma alternativa mais rápida e eficaz de se referir às pessoas que, simultaneamente, fazem parte de todas as identidades mencionadas. Por muitas vezes, a utilização da terminologia é utilizada como um antônimo da sigla LGBTQI+, sendo importante frisar, ainda, que o “A” de CHAP refere-se tanto à allosexuais quanto alloromântiques. 

Por muitas vezes, quando se trata de questões envolvendo o cenário LGBTQ+, especialmente quando o assunto relaciona-se a identidades menos conhecidas, há um discurso recorrente de invalidação girando em torno de: “o que ês CHAPs irão pensar?”. Esse tipo de pensamento, infelizmente, parte de muites LGBTQ+ que preferem ridicularizar as pessoas da própria comunidade em prol de um modo de pensar em concordância com aquelus que enxergam pessoas LGBTQ+ de forma pejorativa. 

É inegável que são ês CHAPs aquelus que promovem a opressão contra as minorias. Há, nessa dinâmica, uma relação de poder baseada em centralidade e marginalidade. O conceito de centro e margem, portanto, perpassa pelo desejo de CHAPs permanecerem em uma posição central, assumindo os privilégios, enquanto as demais minorias tomam conta das margens, estando à mercê de um sistema que não as favorece de nenhuma maneira. 

Mesmo diante dessa perspectiva, as minorias (e aqui se discute especificamente da população LGBTQ+) concordam com esse local de margem ao promover a invalidação dos seus. Isso ocorre não apenas pela consciência da posição que ocupam na sociedade, mas também de uma aceitação quanto a essa posição. Os discursos que atacam e desprezam identidades menos conhecidas é o mesmo utilizado por CHAPs outrora para invalidar pessoas LGBTQ+ de modo geral. Uma conhecida frase de Paulo Freire sintetiza esse sistema: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

Dessa maneira, a validação CHAP enlaça grande parte do modo que a comunidade LGBTQ+ relaciona-se entre si. Atualmente, apesar de ainda possuir índices de violência exorbitantes, há uma aceitação maior de pessoas LGBTQ+ quando comparado a outras épocas, respaldada também na garantia de direitos e proteção das pessoas da comunidade. Contudo, é contínua luta para a manutenção de tais direitos e a conquista de muitos outros. 

Para muites, por sua vez, essa luta chegou ao fim. Pessoas centradas em suas próprias vivências, que experienciam o acolhimento de todes ao seu redor, por muitas vezes acreditam fielmente que essa é a realidade de todes que fazem parte da comunidade LGBTQ+. Ou, para além disso, buscam a formulação de estruturas de poder dentro da própria comunidade, encarando certos gêneros ou sexualidades como “certos” ou “superiores”. Assim, o oprimido vira opressor. 

Para além disso, na visão de muitas dessas pessoas, a comunidade já está consolidada, como se fosse uma caixinha com fronteiras bem definidas. Sendo assim, tudo o que ultrapassa essa fronteira causa estranhamento e, portanto, não deve fazer parte da comunidade. 

Porém é necessário ter em mente que a construção do “ser” LGBTQ+ não tem e, talvez, nunca terá um fim. Todo o sentir é individual, e isso reverbera na comunidade: as pessoas não precisam limitar-se aos gêneros e sexualidades já existentes, pois cada ume tem o seu próprio modo de interpretar e expressar esses conceitos. Com o preconceito do passado, era uma tarefa difícil enxergar para além de uma visão heteronormativa, e com a liberdade de expressão sem o tabu e a perseguição, essa tarefa tornou-se bem mais fácil.

As redes sociais contribuíram bastante para a ocorrência de diversas trocas, permitindo uma comunicação entre incontáveis pessoas e o compartilhamento de experiências, sejam elas comuns ou divergentes. Todavia, da mesma maneira que permite essa troca e abre o espaço para o compartilhamento de diversas expressões de gênero e sexualidade, também permite que haja uma crítica. E essa crítica não vem apenas de CHAPs, mas também daquelus que deveriam acolher e fomentar a união da comunidade LGBTQ+.

A consequência desse fenômeno consiste no aumento da violência de CHAPs, pois agora elus têm o amparo da discordância dos próprios LGBTQ+: se nem elus se respeitam, porque eu deveria respeitá-les? Isso acaba incidindo não apenas em microidentidades, como esperado por aquelus que as atacam, mas também na comunidade como um todo. Nenhum direito de minorias, infelizmente, deve ser encarado como algo permanentemente garantido, pois podem a qualquer momento ser retirados. 

Um claro exemplo é o que ocorreu com o aborto nos Estados Unidos, no ano de 2022: bastaram dias para que um direito garantido por anos fosse revogado, a ponto de ser criminalizado. De igual modo percebemos esse retrocesso em vários locais do mundo, como o Irã, o qual a partir da Revolução Iraniana provocou uma verdadeira segregação de gênero. A partir desses casos observa-se como nada é assegurado: a luta continua.

A validação CHAP, portanto, é um mal que deve ser cortado pela raíz. A união da comunidade LGBTQ+ é urgente para a construção de uma sociedade que respeite integralmente as minorias que nela integram. A concessão de privilégios e a formulação de estruturas de poder dentro da comunidade LGBTQ+ deve chegar ao fim: nenhuma identidade ou sexualidade é melhor que a outra, todas são igualmente oprimidas pelos CHAPs. Não importa o quanto se tente, elus sempre vão enxergar as minorias como algo a ser colocado à margem, ou pior.


Referências: