Pessoas Trans Podem ser Binárias?

No espectro de gênero, é possível encontrar o guarda-chuva binário — que contempla os gêneros homem e mulher — e o guarda-chuva não-binário, onde há todas as identidades de gênero fora da dicotomia binária. Homem e mulher são gêneros considerados binários, pois são aqueles aceitos e normativos na sociedade, entrando numa regra de “um ou outro”.  Há certos grupos que defendem a ideia de que não há nada de binário na transgeneridade, já que a transgeneridade foge da caixinha binária, que está não as contempla.

A cisnormatividade é uma das bases da sociedade atual, valorizando a cisgeneridade e impondo o conceito de sexo biológico — que é inerentemente transfóbico — enquanto meio de divisão de atividades, de trabalho a hobbies. Em contrapartida à ela, a transgeneridade se constrói como um grupo aberto às diversas possibilidades não apenas de gênero, mas de expressão, de vivência e da própria existência.

As pessoas trans, isto é, aquelas que não se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascer, enfrentam diariamente a estrutura que insiste em lhes dizer que sua presença e existência não é bem-vinda. Independente de cirurgias e hormônios, desde o momento em que se identificam enquanto um gênero que não lhes foi imposto, esses indivíduos atestam que não se enquadram na binariedade imposta por um mundo que não faz questão de acolhê-los. 

A partir daí, surgem tais discursos sobre a não-existência de uma binariedade trans, que leva em consideração que a binariedade de gênero apresentada pela cisciedade (brincadeira com a palavra cisgênero/cisnorma e a palavra sociedade) não acolhe  qualquer tentativa de binariedade que fuja disso. Esse discurso, que aponta que mulheres trans e homens trans são, na verdade, identidades de gênero não-binárias, argumenta que não há binariedade alguma em um homem que possui uma vagina e em uma mulher que possui um pênis.

Para compreender se há, realmente, uma coerência em tais afirmações, é interessante pensar na luta trans como um todo, e em todos os objetivos que ela possui. Inegavelmente, a principal meta da luta dessa comunidade é que os indivíduos pertencentes a ela possam existir livremente, o que automaticamente implica em desmantelar não apenas a cisnormatividade — isto é, a ideia da cisgeneridade enquanto regra —, mas toda a estrutura que a envolve, inclusive o poder que a cisgeneridade tem, ainda hoje, sobre os corpos e existências transgênero.

Isso, então, significa não permitir que a cisgeneridade continue a ditar o que é ou não gênero e, consequentemente, quais gêneros existem. Deste modo, a binariedade de gênero — termo que designa os 2 (dois) gêneros impostos pela sociedade, sendo eles masculino (homem) e feminino (mulher) — deixa também de ser ditada pelo ponto de vista cisgênero. De forma simplificada, ser mulher deixa de significar ter uma vagina, e ser homem deixa de significar ter um pênis. 

A partir desse ponto de vista, é possível estabelecer a importância de se considerar que pessoas trans podem ser binárias, não permitindo que a cisgeneridade, mais uma vez, exclua toda uma comunidade da caixinha do que é, atualmente e preconceituosamente, considerado normal. Então, independente do que qualquer pessoa ou estrutura cisgênero tente forçar, uma pessoa trans pode sim estar dentro das categorias binárias de gênero, seja como forma de desmantelar o domínio cisgênero, seja por pura e simples identificação.


Referências:


Ficha técnica:

Escrita: Viktor Bernardo Pinheiro

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