Existências Queer em Embarcações Piratas

Quando se menciona a palavra pirata em alguma roda de conversa, é provável que a imagem que vem à mente da maioria das pessoas para ilustrar este sujeito seja, geralmente, a de um homem hipermasculino, violento, desprovido de modos, mulherengo e oriundo de um passado marcado pela criminalidade.

Porém, indo ao caminho contrário ao qual uma dedução rápida pode levar, os chamados piratas, em sua maioria, eram ex-marinheiros que passaram a contrariar as vontades das Coroas de seus países de origem. Assim, devido às relações e a uma cultura própria desenvolvida dentro da marinha, esses homens resolveram se unir e arriscarem-se em um novo “estilo de vida” que, apesar das dificuldades, prometia ser mais benéfico em termos financeiros e de dignidade.

Apesar de serem ambientes associados a uma atividade ilegal, os navios piratas possuiam uma forma de organização e funcionamento bastante democráticos para a época, sendo oposto ao que era vivenciado em terra, na dita legalidade. Um exemplo dessa democracia a bordo é o fato de os capitães piratas serem eleitos pela tripulação, podendo ser destituídos do cargo caso não cumprissem seu papel e obrigações corretamente.

No entanto, por mais que os piratas da Era de Ouro possam ser descritos como progressistas e à frente de seu tempo, ainda carregavam resquícios da sociedade na qual foram moldados. Mesmo inseridos em um ambiente predominantemente homossocial (onde as interações, em sua maioria e condição, são entre pessoas do mesmo sexo), é provável que devido as crenças e preconceitos da época, a homossexualidade não fosse bem vista pela tripulação, já que em terra era considerada um enorme tabu e sujeita a punições severas.

Porém, não é correto afirmar que não existiram piratas LGBTs ou que estes eram totalmente contra relações entre pessoas do mesmo sexo. Assim como mulheres conseguiram subir a bordo mesmo sendo expressamente proibidas, relacionamentos homoafetivos também conseguiram seus espaços dentro do convés.

Uma prática que pode evidenciar essas relações é a matelotage, uma espécie de acordo formal onde dois piratas passavam a compartilhar seus bens, podendo ser repassados ao parceiro caso um destes viesse a falecer. Por mais que a matelotage seja vista e defendida por alguns historiadores como sendo apenas um contrato de valor comercial, este reforçava a intimidade compartilhada entre os tripulantes e, dependendo das pessoas envolvidas, poderia englobar muito mais do que a partilha de apenas bens materiais.

Vivendo de forma imprevisível e perigosa, é inegável que estes homens buscariam e encontrariam conforto em seus companheiros de aventura, e que estas relações poderiam se tornar mais íntimas, como no caso de Equiano e Richard Baker. Os dois tiveram um acordo não oficial de matelotage por dois anos, dividindo a mesma cama e sendo confidentes de problemas pessoais um do outro.

Infelizmente, devido a época e (talvez) uma tentativa de se apagar existências queer da história, há poucas evidências formais e relatos de casos sobre piratas LGBTs e seus relacionamentos, sendo uma boa parte das pesquisas sobre o tema deduções e interpretações de documentos e obras da época, cujo as quais não podem ser totalmente consideradas como material de estudo devido a incorporação de elementos verídicos e fictícios ao mesmo tempo, tornando difícil separá-los.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Chenny
Revisão: Arê Camomila da Silva
Leitura crítica: Anna Helena Silvestre Di Iório