A epidemia de Aids, que teve início há mais de 40 anos, permanece como uma das mais devastadoras da história, impactando milhões de vidas e deixando marcas profundas que nunca pararam de ser sentidas dentro das comunidades afetadas. Em 5 de junho de 1981, um discreto relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA indicava casos de pneumonia fúngica rara em Los Angeles, prenunciando uma crise que se espalharia rapidamente. Anthony Fauci, uma das principais vozes médicas da época, relembra os primeiros relatos com assombro: “Senti arrepios na espinha. Só podia ser uma doença nova.”. A doença, inicialmente cercada de amplo desconhecimento, não só estigmatizou homens gays como também impôs um fardo imenso de medo e preconceito.
O silêncio inicial do governo dos EUA sob a administração Reagan exemplifica a indiferença institucional que permitiu que a epidemia avançasse, enquanto comunidades afetadas, como a dos hemofílicos, sofriam em meio à culpa e desinformação.
Movimentos como o Act Up surgiram para pressionar por respostas e distribuir informações sobre tratamentos emergenciais. O ativista Gregory Ford testemunhou o terror e a perda, refletindo sobre como muitos morriam antes de qualquer assistência ser possível.
A introdução de medicamentos como o AZT em 1987 e as terapias antirretrovirais nos anos 1990 trouxeram esperança, mas também expuseram as desigualdades no acesso ao tratamento. Simone Monteiro, do Instituto Oswaldo Cruz, observa que o medo de julgamento leva muitas pessoas a esconderem seu diagnóstico, prejudicando o tratamento. A pediatra Maria Letícia Cruz ressalta o impacto sobre crianças que enfrentam estigma, e Sandra Wagner, do Instituto Nacional de Infectologia, defende a necessidade de aconselhamento sem julgamento por parte dos profissionais de saúde.
O impacto do estigma da Aids é devastador e persistente. No Brasil, um estudo de 2019 com 1.784 participantes revelou que 64,1% enfrentaram discriminação, em situações como perda de emprego (19,6%), assédio verbal (25,3%) e até agressão física (6%). Cleiton Euzébio de Lima, diretor interino do UNAIDS no Brasil, reforça que o estigma é uma barreira ao acesso a serviços de saúde e à adesão ao tratamento. Os efeitos se estendem à saúde mental: 47,9% dos entrevistados foram diagnosticados com problemas nessa área no último ano.
A lembrança das vítimas é fundamental, conforme destaca a vigília anual em Porto Alegre, organizada pela Casa Fonte Colombo em parceria com a Pastoral da Aids. O evento, que envolve uma caminhada com velas e mensagens de familiares, visa honrar os que perderam a vida e reafirmar a importância de dar apoio e dignidade a quem vive com HIV. Frei Eduardo Pazinatto, coordenador do evento, sublinha: “Queremos lembrar das pessoas que morreram, mas também daqueles que continuam a enfrentar a doença.”.
Colocar em evidência tantas pessoas que morreram pela falta de ação do Estado é um ato de respeito e resistência, lembrando que a solidariedade e a luta contra o estigma são tão cruciais quanto os avanços médicos e que o combate à discriminação e o apoio às comunidades afetadas são passos necessários para honrar as vidas perdidas e amparar os que continuam na luta.
Criar capacidade de honrar esta memória coletiva é um apelo à empatia e à ação.
Referências
- Estudo revela como o estigma e a discriminação impactam pessoas vivendo com HIV e AIDS no Brasil | UNAIDS
- HIV/AIDS: a solidariedade é o melhor remédio | FIOCRUZ
- Vigília lembra vítimas de Aids em Porto Alegre | Correio do Povo
- Aids: há 40 anos, o início de uma assustadora epidemia tomava forma | National Geographic
Ficha técnica
Escrita: Reinaldo Coutinho Simões
Revisão: Ingredy Boldrine, Lara Moreno