Direito ao aborto

⚠️ Alerta de conteúdo: Este texto contém menção a gravidez, aborto, estupro e mortalidade em procedimentos clandestinos.

Muitas pessoas na sociedade ocidental se opõem à legalização do aborto por diversos fatores, algumas até mesmo condenando as poucas circunstâncias em que ele é permitido. Dentre os motivos citados por essa parcela da população estão argumentos religiosos e a gravidez como consequência natural do sexo, discurso também carregado de conotação moral. Em contrapartida, aquelus a favor da legalização do aborto argumentam em pról dos direitos reprodutivos e autonomia corporal das pessoas que engravidam, a não completa eficácia dos métodos preventivos, a falta de educação sexual no Brasil e a laicidade do país, invalidando portanto a utilização de argumentos religiosos. 

Atualmente, o aborto é criminalizado pelo código penal brasileiro. Os artigos 124 a 128 tratam exclusivamente do assunto, citando punições tanto para ê gestante quanto para a pessoa que realizar o procedimento — quando não é feito pela própria pessoa —. Além disso, a legislação prevê dois casos de aborto legal: quando não houver outros meios de salvar a vida dê gestante, chamado de “aborto necessário”, e quando a gravidez é resultante de um estupro, sendo o “aborto terapeutico” ou “aborto humanitário”, ambos com o consentimento dê gestante (ou em casos de vulneráveis, do consentimento de sues responsáveis). 

Em países como Alemanha, França e Áustria, o aborto também é legalizado em casos de problemas socio-econômicos, variando o limite de semanas entre 12 semanas, na Áustria, ou a qualquer tempo, como na França e na Alemanha, se houver indicação médica. Nesses países e em outros, como o Reino Unido, Bélgica, Bulgária e mais, o aborto também pode ser feito em casos do feto conter alguma anomalia congênita, que pode se manifestar em graves má-formações físicas e/ou mentais e desenvolvimento de certas deficiências. Isso é conhecido como aborto eugênico, proibido no Brasil. Na África do Sul, o aborto é completamente legalizado desde 1996, em qualquer situação, prevalecendo a vontade dê gestante.

A criminalização do aborto não afeta só as pessoas gravidas que não se encaixam nos critérios para o aborto legal, mas também pessoas que se encaixam neles. Existem casos em que a justiça não provê o aborto humanitário para vitímas de estupro, como ocorrido em Santa Catarina em 2022, quando uma juíza negou o pedido de aborto para uma criança de 11 anos. Também há casos de profissionais negligentes que se recusam a realizar o procedimento, mesmo quando ele é necessário e amparado pela lei.

A não-asseguração do direito ao aborto legal e a criminalização do direito de escolha causam problemas como o “aborto inseguro”. Realizado de forma clandestina, ele é um risco enorme à saúde das pessoas que buscam o procedimento dessa maneira por não terem outra opção. Dados da OMS mostram que 98% dos abortos inseguros realizados ocorrem em países periféricos, enquanto dados do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher apontam que “mulheres negras apresentam um risco 3 vezes maior de morrer por aborto inseguro que as mulheres brancas”. 

Em “A legislação sobre o aborto e seu impacto na saúde da mulher”, escrito por Lorena Ribeiro de Morais, a autora  desenvolve: “Ressalte-se que não há condição imposta à realização do aborto legal e, diante das dificuldades, as mulheres recorrem ao aborto inseguro, fato que explica a alta mortalidade de mulheres em decorrência de procedimentos mal feitos. Aborto seguro é o permitido pela lei, realizado por equipe de saúde bem treinada e contando com o apoio de políticas, regulamentações e uma infraestrutura apropriada dos sistemas de saúde, incluindo equipamento e suprimentos, para que a mulher possa ter um rápido acesso a esses serviços. A não implementação da política e estrutura para a realização do aborto seguro constitui um atentado à vida e à saúde das mulheres no Brasil e no mundo.” Apesar da obra tratar o aborto como uma questão de saúde feminina, é importante lembrar que o assunto abrange todas as pessoas que engravidam, incluindo homens trans e pessoas não-binárias. A obra também cita números de abortos legais, sendo muito menores que os números de estupros.

O direito ao aborto é um direito humano e uma pauta sobre saúde pública. Pessoas que engravidam devem ter autonomia sobre seus corpos para decidir se querem ou não prosseguir com uma gestação. Abortar ou não é uma decisão que vem com análise da pobreza, que atinge boa parte da população brasileira, a vontade de ter filhes, a dificuldade física e psicológica do processo pré-parto, do parto e do processo pós-parto, entre muitas outras discussões. 


Referências