Luta Antimanicomial

A cultura da institucionalização em hospitais psiquiátricos no Brasil vem desde o reinado de Dom Pedro II, com a construção do manicômio que leva seu nome em 1852. Historicamente, a dita “loucura” é primeiro interpretada por meios religiosos, passando a ser vista como patologia de fato a partir da expansão do movimento positivista. Com esse movimento, cresce a noção da descrição e categorização da loucura, sendo necessário um tratamento que obedece a mesma lógica de males físicos, como a hospitalização. Já em 1882, Machado de Assis crítica em seu conto “O alienista” a tentativa dos psiquiatras positivistas de categorizar como doença e tratar com a institucionalização todo comportamento desviante.

Nos hospícios, durante os séculos XIX e XX, eram internados todos aqueles que representavam alguma ameaça para o funcionamento normativo da sociedade e sua moral: ladrões, prostitutas, moradores de rua, pessoas com deficiências e transtornos, leprosos, etc. A lógica nesse período era de higienização da sociedade e das ruas, mantendo escondido o indesejado. O tratamento também era aliado à ideia de punição e desumanização, e nada demonstra isso melhor na história brasileira que o holocausto brasileiro

Durante os anos 60, surge na Inglaterra a antipsiquiatria. Em 1971, Franco Basaglia, psiquiatra Italiano, inicia um processo de reforma em Trieste (Itália) no cuidado com os “loucos”, compreendendo a importância da interação com a comunidade para a exclusão de noções sociais sobre a periculosidade dessas pessoas, que justificava sua tutela e relações de poder entre tratado/tratante. Basaglia foi uma grande inspiração para a luta antimanicomial em vários países, inclusive no Brasil. Aqui, o estopim da luta antimanicomial ocorre em 78, em um episódio chamado “Crise da DINSAM”, na qual  os profissionais da DINSAM (Divisão Nacional da Saúde Mental) deflagram uma greve.

Diversas mudanças ocorreram durante décadas, movimentadas por trabalhadores da área da saúde, pessoas com problemas de saúde mental e seus familiares. Outros grandes marcos são o 1° Congresso Nacional de Trabalhadores da Saúde Mental, em 18/05/1987, e a aprovação da lei da reforma psiquiátrica em 2001 , que dispõe sobre os direitos das pessoas com transtorno e parâmetros para o tratamento destas, sendo vedada sua internação em instituições asilares, o objetivo final da reinserção social, entre outras. Atualmente, embora esteja presente no Brasil algo semelhante ao defendido por Basaglia, surge uma onda de projetos e ideologias a favor da institucionalização e a volta dos manicômios, como o corte de verbas para programas de saúde pública e estratégias de desinstitucionalização  e o financiamento de residenciais terapêuticos.

Revisitar a memória do passado manicomial e higienista do Brasil significa perceber o movimento atual da contrarreforma psiquiátrica, diretamente alinhado com ideologias fascistas e extremistas religiosas. É preciso defender o SUS e direitos iguais para todos, escutando as vozes dos chamados “loucos”, compreendendo-os como seres humanos de grande importância para a sociedade. Falar em luta antimanicomial é falar no fim da estigmatização da loucura, de estereótipos e preconceitos retrógrados. Comemorando o dia nacional da luta antimanicomial no dia 18/05, lembre-se do lema: “por uma sociedade sem manicômios!”


Referências


Ficha técnica

Escrita: Bibiana Christofari Hotta
Revisão: Lívia Figueiredo