Ao longo de sua tragetória de muitos anos, o movimento bissexual já teve diversos definições e se ressignifica o tempo inteiro. É natural que isso aconteça, tendo em vista os diferentes momentos e contextos em que sua existência foi colocada em pauta.
O que se conhece como o “comportamento bissexual”, ou seja, a atração por diferentes gêneros, existe na humanidade desde o seu surgimento. A marginalização dessa orientação sexual, no entanto, é recente, junto aos esforços dos colonizadores europeus para se impor e limitar corpos ao seu monossexismo.
O primeiro uso do termo, entretanto, foi utilizado como uma referência a pessoas intersexo, relacionando-o a “ter os dois sexos ao mesmo tempo”. Esse significado perdurou por longos anos, até Karoly Maria Benkert, um jornalista, escritor e ativista suíço pelos direitos humanos, utilizar a palavra para se referir a pessoas que combinavam as características héterossexuais e homossexuais, no séc. XIX. Também é de sua responsabilidade a criação destes dois termos, isto é, ele criou “homossexualismo” antes de “bissexualismo” e “heterossexualismo”. O que é ainda mais interessante sobre isso é como pessoas heterossexuais definem, primeiramente, o outro, já que acreditam fielmente que sua sexualidade não carrega a necessidade de um significado, visto que são o “normal”, “natural”.
Com isso, é simples concluir que a bissexualidade, antes mesmo que o movimento bissexual propriamente dito existisse, não era uma referência a binaridade de gênero, mas sim à negação da binaridade das sexualidades.
Sigmund Freud já usou “bissexual” para definir “pessoas com uma suposta combinação de masculinidade e feminilidade psicológica”, o que hoje poderia se relacionar ao termo “não-binário” para pessoas transgênero.
Por fim, chega Alfred Charles Kinsey, que encaixa a palavra no centro de sua escala de sexualidades, referindo-se a ela como um meio-termo entre a heterossexualidade e a homossexualidade estrita.
Contudo, a inclusão do termo nos estudos de medicina e psicologia levou-o ao significado comum que, provavelmente, muitas pessoas na comunidade tiveram contato ao conhecer esta sexualidade: a bissexualidade como um sinônimo de atração por homens e mulheres. A primeira definição de bissexual, no entanto, o “bissexualismo”, fora criada como um diagnóstico a um transtorno sexual, para que pudesse levar pessoas a intervenção médica e tratamentos para reverção de suas sexualidade à “normalidade”.
Desde os primórdios do movimento bissexual, existe a luta de despatologização de sua sexualidade, tanto que, diferente dos movimentos gay e lésbico, que não utilizam do termo homossexual na sigla da comunidade, a bissexualidade o carrega como parte de sua luta.
Até depois da Revolta de Stonewall, a bissexualidade era vista como um termo que abraçava quem não era heterossexual, nem homossexual. Mas, em meados dos anos 90, chegou à comunidade a discussão de que esta seria uma sexualidade binária, devido à transfobia crescente dentro da comunidade. Nesta mesma época, a panssexualidade se popularizou — ainda que ela já existisse antes, atrelada ao movimento hippie —, sendo apresentada como uma nova identidade política centrada, principalmente, na luta de pessoas trans não-binárias.
Mesmo com a popularidade da panssexualidade, a bissexualidade não perdia seu valor político. A luta do movimento ainda existia, às vezes ligada aos dois termos, uma vez que eles não se excluíam entre si.
Seu próprio manifesto é um retrato de como a bissexualidade se opõe ao que é binário e, consequentemente, à transfobia. Ela pode ser definida como “a atração por mais de um gênero”, uma referência ao momento histórico em que falava sobre pessoas que não eram homo e nem hétero ou, também, como “a atração por gêneros iguais e diferentes ao seu”, referindo-se à dicotomia — a divisão de uma palavra em duas outras, opostas e complementares — do termo, relacionado à dualidade de se atrair pelo mesmo gênero e por outros gêneros. Essa atribuição não só a afasta dos argumentos de que essa é uma sexualidade binária, como também engloba dentro de si a fluídez do que é ser bissexual e a liberdade das pessoas bissexuais para lidar com ela de sua própria forma.