A Enigmática Sexualidade de Safo

Por: Rebecca Gilabert


Introdução 

Com a maior visibilidade da comunidade LGBTQIA+ no mundo, muitos termos referentes a mulheres (ou pessoas que se identificam com o gênero feminino) que sentem atração por outras de mesmo gênero vieram a tona: entre eles, os termos lésbica e sáfica. Mas qual a diferença entre os dois? E de onde eles se originaram? 

Apesar de serem dois termos distintos, ambos tiveram uma origem similar.

O primeiro termo, lésbica, faz referência ao culto em adoração a Afrodite ocorrido na ilha grega de Lesbos, tendo como significado mulheres e pessoas não-binárias não alinhadas ao masculino que se atraem unicamente por pessoas pertencentes a esse mesmo grupo de gênero.

O segundo, sáfica, está diretamente conectado com a poetisa Safo, ícone da Antiguidade, e acolhe pessoas de gênero feminino ou neutro que se atraem por pessoas do mesmo grupo de gênero, mas não sendo necessariamente de forma exclusiva — ou seja, engloba pessoas lésbicas, mas também bissexuais, pansexuais e demais orientações que abordem o amor entre mulheres.

Quem era Safo?

A história da “décima musa”, como diz um epigrama atribuído a Platão, é bem confusa. Muito pouco restou, e o que chegou à atualidade são, literalmente, fragmentos de sua arte. Supõe-se que tenha nascido entre 630 e 604 a.C, na cidade de Mitilene ou de Éresos, na Ilha de Lesbos, território da Grécia. Safo fazia parte de uma família nobre e, aparentemente por questões políticas, foram exilados para a Sicília. Sua poesia era lírica (ou seja, cantada ao som da lira), falando sobre assuntos do cotidiano. 

Ao retornar à Ilha de Lesbos, graças à abertura que a sociedade proporcionava à participação feminina naquela região, Safo fundou uma escola para mulheres. Lá, ensinava sobre dança, poesia, música e “postura matrimonial”, ou seja, como ser uma boa esposa, em preparação para um casamento. Como era costume da época, era escolhido um tipo de “patrono” para a instituição, e na escola de Safo, era Afrodite, deusa do amor e da sexualidade. Apesar de esse não ser o foco da escola, a adoração à deusa fazia parte das atividades realizadas, havendo a prática de atos sexuais no culto.

Posteriormente, Safo começou a ser alvo de diversas perseguições — não somente ela, mas as mulheres de Lesbos. De forma chula, derivando do nome da ilha, surgiu o verbo λεσβιάζειν (lesbiázein), que significava “agir como [as mulheres] em Lesbos”, e era utilizada para designar felação, mais especificamente a prática do sexo oral de uma mulher em um homem. Da mesma forma, a palavra “lésbica” (um gentílico para uma pessoa de Lesbos) na Antiguidade era sinônimo de prostituta ou cortesã, sendo ressignificado apenas no final do século XIX, consequência de um maior interesse pela sexualidade de Safo nessa época.

Mulheres na poesia de Safo

Há fragmentos de seus poemas que são direcionados a mulheres, mostrando uma possível atração por figuras femininas, como o poema “A Átis”. Ao que indica, Átis era sua aluna, e estava finalmente prestes a se casar. Enquanto uns crêem ser um poema de conotação romântica, outros crêem ser um poema falando sobre o fim da relação afetiva e amigável entre professora e aluna. A tristeza contida no poema acontece porque, uma vez casada, Átis não seria mais aluna de Safo, e esta sentiria saudades. Veja um pedaço do fragmento, formado por um diálogo:

A Átis 

Não minto: eu me queria morta.
Deixava-me, desfeita em lágrimas:

“Mas, ah, que triste a nossa sina!
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo.” “Seja feliz”, eu disse,

“E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe
Os nossos momentos de amor.

Quantas grinaldas, no seu colo,
— Rosas, violetas, açafrão —
Trançamos juntas! Multiflores

Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros
Da sua pele em minha pele!
[…]
Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede” […]

(Tradução de Décio Pignatari)

Homens na poesia de Safo

Além disso, a figura masculina também é bastante presente nos poemas de Safo. É possível ver isso neste fragmento:

Fragmento 114 (Diehl)

Mãe querida, já não tenho força para mover a agulha no bastidor,
ferida como estou de amor por um jovem… e a culpa é de Afrodite.

(Tradução de Manuel Pulquério)

(?)

“Fique em minha frente, meu amado, e mostre sobre mim a beleza que dos seus olhos flui”.

(Segundo Ateneu, fragmento de poema de Safo para um homem. Traduzido por C.D.Yonge.)

Conclusão

Embora haja evidências de paixão por homens e mulheres nos poemas de Safo, é impossível afirmar algo sobre sua sexualidade. Isso acontece porque nem todos os poemas falavam sobre a visão da própria Safo, visto que também produzia poesia por encomenda, como odes nupciais (para casamentos), exaltando os noivos — portanto, os fragmentos anteriores podem ser apenas serviços, e não dedicatórias pessoais de amor. Em conclusão, se tratando da sexualidade de Safo, não se pode ter certeza de nada. 

A única coisa que se tem indícios é que Safo teria se casado com um homem de Andros chamado Cércolas e tido uma filha com o nome de Kleis — mas assim como era comum em épocas passadas, o casamento ou a relação sexual com alguém não era sinônimo de atração por ela, mas sim uma tradição da sociedade. 

Além disso, pesquisas arqueológicas mais recentes indicam que há a possibilidade da Safo poetisa e da Safo sacerdotisa não serem a mesma pessoa, mas duas diferentes: a poetisa, de Mitilene, e a sacerdotisa, de Éresos. Tais pesquisadores acreditam que, por terem o mesmo nome, suas histórias foram confundidas ao longo do tempo, justificando toda a conturbação que nos chegou hoje. 

Entretanto, por mais confusa que a história seja até aqui, a importância e influência de Safo permanecerão para sempre nos corações das mulheres e dos amantes das artes.


Referências: