A exaustão de gêneros marginalizados dentro do ambiente de trabalho

Gênero é um conceito vasto. Entre os dois extremos do binarismo, existem milhares de experiências que são, ao mesmo tempo, muito singulares e amplamente plurais. O mercado de trabalho, por sua vez, também é um universo vasto e complexo, repleto de possibilidades. Diante disso, seria natural a expectativa de que, nesse cenário tão amplo, encontrássemos uma gama de profissionais e trabalhadores igualmente plurais, certo? Errado. 

A desigualdade de gênero no ambiente de trabalho já é um fato amplamente conhecido e divulgado, tanto por meios oficiais de comunicação quanto pelos próprios trabalhadores. Ainda assim, apesar das discussões, a luta por equidade avança a passos lentos — e raramente inclui ou alcança os gêneros marginalizados pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+. Para além da consciência sobre a desigualdade entre homens e mulheres cis, é fundamental voltar o olhar para a grande parcela de pessoas trans que também sofrem com a opressão de gênero — e que são ainda mais invisibilizadas. 

Existem desigualdades já amplamente conhecidas — como a diferença salarial e de ocupação de cargos, por exemplo. As microdesigualdades — também chamadas de microagressões estruturais —, por outro lado, são mais sutis e, muitas vezes, disfarçadas de naturais e inofensivas, como se não tivessem relação direta com a expressão e a identidade de gêneros dos indivíduos. Nesse caso, mulheres cis, trans, pessoas não-binárias e transmascs — todes trabalhadores — permanecem enfrentando formas sutis de exclusão em seus cotidianos. 

Como essas microdesigualdades se apresentam? 

  • Ter a própria capacidade e o intelecto colocados à prova constantemente, sempre sendo postos sob suspeita;
  • Ser ignorade em reuniões, encontros formais ou informais, enquanto homens cis têm suas opiniões prontamente ouvidas e validadas;
  • Ser colocade em situações constrangedoras, inconvenientes e, de certa forma, criminosas, ao ter a própria identidade de gênero como motivo de piadas e invalidação;
  • Sempre ser interrompide;
  • Exigência de “gratidão” constante, como se o fato de terem sido contratades fosse motivo para tal — e não o reconhecimento de que possuem o conhecimento e a competência necessária para estarem onde estão;
  • Processos seletivos e/ou internos que reforçam uma lógica binarista, como “sexo feminino” e “sexo masculino”, sem possibilidade de utilização de nome social etc.

Essas situações, muitas vezes, passam despercebidas como formas de violências de gênero. As microagressões são motivos de sofrimento intenso — ainda que, muitas vezes, silencioso — e causam cicatrizes profundas, como tantas outras feridas que persistem na experiência cotidiana de pessoas marginalizadas pelas múltiplas formas de violência.

O burnout é uma consequência decorrente desse cenário, visto que o trabalho se torna um ambiente dolorido e insustentável. A saúde, principalmente psicológica e emocional, é profundamente abalada e, em muitos casos, isso pode desencadear também um gatilho para o desenvolvimento de doenças físicas entre esses indivíduos.

Em Desfazendo Gênero, de Judith Butler, elu menciona, em um trecho: “Se sou certo gênero, ainda serei reconhecide como parte da humanidade? Será que a ‘humanidade’ vai se expandir para me incluir em seu escopo?”

A fala de Butler reflete um questionamento extremamente válido: por que grupos minoritários e marginalizados sempre são aqueles que precisam “se expandir” para caber em espaços que não querem recebê-los, enquanto a própria sociedade (humanidade) não se expande para incluí-los? Esse é mais um retrato perfeito para comprovar como as microdesigualdades surgem e se enraízam, direta ou indiretamente, na cultura do mercado de trabalho. 

Além disso, evidencia como a frustração e a exaustão estão constantemente presentes na vida dessas pessoas — e comprova que o mundo do trabalho ainda falha em compreender, acolher e respeitar as diversidades de seus colaboradores e funcionários. E aparenta estar a longos passos de se corrigir. Repensar o mercado de trabalho sob a ótica da pluralidade de identidades não é apenas uma demanda ética — é uma necessidade urgente. Não se trata de concessão, mas de justiça. Enquanto a diversidade for vista como um desafio a ser tolerado, e não como parte da coletividade, o mundo seguirá reproduzindo violências que minam a dignidade e a saúde da pessoa trabalhadora que só deseja existir com respeito. É importante — mas, principalmente, necessário — que o olhar corporativo seja mais acolhedor e inclusivo  — que enxergue, em grupos que são constantemente marginalizados, para além de estereótipos antiquados e incabíveis; que enxergue as mentes brilhantes e abrace as identidades plurais que sempre existiram e, mais ainda, continuarão a existir.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Nunu Pítaro
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Jéssica Larissa O.S. e Déborah Ramos