Ser bissexual é se identificar com o termo e com o seu significado de atração por todos os gêneros. Sendo assim, por que é tão comum que o mundo possua um método de avaliar e falsamente compreender a orientação de alguém, levando em conta estereótipos e comportamentos?
Os discursos que envolvem a bissexualidade muitas vezes são imersos nesses estereótipos. Chega a ser cansativo para qualquer bi ouvir tantas falas problemáticas, as quais ajudam a perpetuar a bifobia e uma visão errada acerca da bissexualidade.
Um dos principais equívocos em relação à bissexualidade é achar que ela apenas se atrai por dois gêneros. Esse discurso, infelizmente muito disseminado, constrói uma visão binarista acerca da bissexualidade, excluindo a existência de pessoas não-binárias, ou até mesmo incluindo-as, porém apenas em outras sexualidades. Falar que bissexuais se atraem por dois gêneros enquanto pansexuais se atraem por todos é restringir a atração de bissexuais e, além disso, disseminar a transfobia.
O próprio manifesto bissexual, escrito em 1990, afirma que a bissexualidade não é e nunca foi binarista, reconhecendo desde aquela época a diversidade de gênero presente na sociedade.
‘’Não assuma que a bissexualidade é naturalmente binária ou poligâmica: que nós temos ‘dois’ lados ou que nós precisamos estar envolvidos simultaneamente com dois gêneros para sermos seres humanos completos. De fato, não assuma que existem apenas dois gêneros.’’
(Manifesto Bissexual, escrito em 1990 e publicado na revista Anything that Moves)
Outra problemática enfrentada por pessoas bissexuais é justamente a ideia de que a bissexualidade é um meio termo entre o homossexual e o heterossexual. Esse tema, profundamente interligado ao apagamento da bissexualidade, é um prato cheio para os bifóbicos. Falar que bissexuais são indecisos, que estão confusos e que ‘’não se descobriram ainda’’ ou afirmar que ‘’é só uma fase’’ é negar a existência da bissexualidade e a vivência de pessoas bissexuais, apagando-a como orientação.
Mesmo em séries, muitas vezes a bissexualidade acaba sendo vista como um ‘’pit-stop’’ para um personagem se assumir gay. Em Jane The Virgin, por exemplo, é exatamente isso que Jane, a personagem principal, acaba perguntando quando Adam assume ser bissexual. Tal cena apenas mostra um reflexo da realidade, na qual é exatamente esse o pensamento de muitas pessoas quando alguém assume que é bi.
É de extrema importância o reconhecimento e o respeito da bissexualidade como uma identidade independente, aceitando que pessoas bi não precisam ser ‘’uma coisa ou outra’’. Elas simplesmente são bissexuais e ponto.
Ainda envolvendo esse discurso, outro ponto que pessoas bissexuais estão cansadas de ouvir é que a atração é numericamente dividida: 50% por mulheres, 50% por homens. Enxergar tal orientação desse modo é enxergá-la de forma rígida, limitando sua atração e impedindo a possibilidade de preferência quanto a gênero. Porque sim, bissexuais podem ter preferências e não devem ser julgados por isso.
No que diz respeito aos relacionamentos, muitos bissexuais sofrem por serem taxados de promíscuos ou infiéis. O pensamento sobre a bissexualidade ter um teor necessariamente sexual é um estereótipo que a comunidade bi tenta diariamente desmistificar. Na epidemia da AIDS, em meados dos anos 80, bissexuais eram considerados ‘’vetores’’ do HIV, transmitindo-o para seus parceiros. Percebe-se, então, que desde aquela época a bifobia e os estereótipos se fazem presentes, principalmente a ideia de infidelidade.
O preconceito contra bissexuais não vem apenas de fora da comunidade LGBTQ+, mas também pode vir de dentro dela. O mesmo discurso referente à infidelidade e a promiscuidade pode ser visto em falas recentes, vindo tanto de um lado quanto de outro. Ter ‘’medo’’ que uma pessoa bissexual seja infiel em um relacionamento, seja ele qual for, apenas contribui para firmar a concepção imersa em estereótipos que acabam prejudicando a comunidade como um todo.
De modo semelhante, ainda hoje persistem discursos afirmando que bissexuais gostam de sexo a três ou de sexo casual. O descompromisso e a casualidade muitas vezes vem erroneamente atrelado à bissexualidade, em conjunto com a ideia de que pessoas bi seriam também poliamorosas. Tais conceitos podem sim se fazerem presentes na vivência de bissexuais, porém é importante lembrar que são estritamente individuais, não devendo ser atrelados a uma orientação específica como um todo.
Em um paradoxo entre o apagamento e a hipersexualização, a bissexualidade continua sendo vista por lentes que deturpam o seu real significado.