Infantilização de PCDs

Infelizmente infantilizar pessoas com deficiência (PCD) é uma prática comum, mas que está longe de ser inofensiva. Quando tratamos adultos com deficiência de maneira infantil, seja através da linguagem, das atividades propostas ou das expectativas em relação às suas capacidades, estamos possivelmente imputando e causando consequências profundas e prejudiciais, uma vez que limitamos o desenvolvimento da autonomia dessas pessoas e indiretamente reforçamos estereótipos capacitistas que prejudicam qualquer inclusão verdadeira e significativa.

PCDs frequentemente são vistas de forma infantilizada, não importando sua idade ou capacidade. Conversar com uma PCD de forma paternalista, propor atividades inadequadas para sua faixa etária ou tomar decisões sem consultar diretamente o indivíduo são atitudes que subestimam habilidades e inversamente reforçam a visão de que elas não são capazes de tomar decisões por si mesmas ou de viver de maneira independente. 

Um dos principais impactos da infantilização é a desmotivação e a perda de interesse em atividades que são vistas como inadequadas ou que não correspondem à idade da PCD. E desrespeitar interesses e vontades pode levar a uma redução na participação social e na qualidade de vida. A psicopedagoga Tania Affonso ressalta que a infantilização pode resultar em um comprometimento sério no desenvolvimento cognitivo e social, já que as atividades propostas não desafiam o indivíduo a crescer e a aprender de maneira adequada à sua idade.

Combater essa infantilização passa por adotar práticas que respeitam individualidades e necessidades. Para isso, um primeiro passo é a criação de um currículo funcional e flexível nas escolas, valorizando a autonomia e a participação cidadã desde a infância, com atividades educativas adaptadas aos interesses e às capacidades dos alunos, sem subestimá-los. Ainda mais, é fundamental envolver as famílias nesse processo, oferecendo orientação sobre a importância de estimular a autonomia.

Atividades práticas, tanto em casa quanto no ambiente de trabalho, podem ser ferramentas poderosas para promover a participação ativa das PCDs na vida social. Algumas sugestões incluem:

  • Conhecimento da pessoa: Identificar os interesses, motivações e estilos de aprendizagem de cada indivíduo, reconhecendo os conhecimentos que já possuem;
  • Musicalização: Usar a música como ferramenta para resolver problemas e promover práticas sociais;
  • Entrevistas e registros de situações cotidianas: Estimular a autonomia e a participação cidadã através da documentação e reflexão sobre atividades diárias;
  • Valorização da expressão oral: Usar apresentações de trabalho como formas de avaliação do conhecimento;
  • Responsabilidade por tarefas: Atribuir responsabilidades de acordo com as atividades desenvolvidas tanto em casa quanto no trabalho;
  • Organização do ambiente: Incentivar a organização do ambiente com comandos simples e objetivos;
  • Elogio aos esforços: Reforçar positivamente os esforços e conquistas, reconhecendo e valorizando cada progresso.

É crucial que estas relações promovam interações baseadas no respeito e livres de preconceitos e discriminações. Além disso, a formação dos responsáveis durante a infância PCD deve ser vista como um passo vital, para que os mesmos entendam e possam orientar sobre direitos e deveres PCD, incluindo orientações sobre sexualidade e futuro, contribuindo para desmistificar conceitos capacitistas. Expor possibilidades de avanços e ampliar a visão de mundo dos responsáveis é essencial para construir uma rede de apoio robusta e consciente.

A infantilização, mais que um problema individual, é uma questão estrutural que reflete a sociedade capacitista. Mulheres com deficiência, em particular, enfrentam uma série de desafios adicionais devido a estereótipos que as infantilizam ainda mais intensamente. Frequentemente tratadas com termos como “anjinhos” ou “coitadinhas”, essas mulheres são involuntariamente presas em uma posição de vulnerabilidade que limita suas oportunidades no trabalho, na maternidade e em relacionamentos, perpetua a desigualdade de gênero e as expõem a riscos maiores de violência e abusos. Estudos mostram que uma porcentagem alarmante de mulheres com deficiência sofrem violência sexual antes dos 18 anos.

Ao discutirmos de forma ampla esse olhar pernicioso da sociedade para com as PCD, precisamos ao mesmo tempo admitir que as mulheres com deficiência vivenciam essa situação de forma ainda mais acentuada e com consequências particularmente graves. Soluções para esse problema passam por uma mudança de atitude em todos os níveis da sociedade, para que a PCD seja vista e tratada como um indivíduo capaz, com direitos e desejos que devem ser respeitados e promovidos. Em última análise, a luta contra a infantilização é parte da luta por uma sociedade mais justa, inclusiva e respeitosa para todos.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Reinaldo Coutinho Simões
Revisão: Nico Baladore, Lara Moreno