Me identifiquei com uma característica de um transtorno… e agora?

A globalização trouxe para o mundo o aumento da comunicação, permitindo que pessoas pertencentes a grupos que sempre foram isolados pudessem se encontrar, identificar e fortalecer juntes. Ela também permitiu que isso atingisse, positivamente, pessoas que sempre pertenceram a esses grupos, mas não tinham ciência disso, como pessoas com algum transtorno que possuem um diagnóstico tardio ou não são diagnosticadas.

No anseio de se encontrar ou de levar outras pessoas a se encontrarem também, é comum encontrar vídeos ou textos referenciando alguma característica desses transtornos, usualmente com o objetivo de levar as pessoas a pesquisarem mais afundo e perceberem que elas podem, sim, se encaixar nesses grupos, e isso não é tão incomum quanto elas imaginam. Esses traços podem ser super incomuns, como ser/ficar não-verbal, ter algum tipo de crise específica ou stimmar, mas também podem ser super comuns, como esquecer de ir ao banheiro ou morder a tampa de uma caneta. Assim, esse segundo tipo de característica traz uma dúvida:

Será que eu tenho um transtorno?

Ao se identificar com uma das características desse tipo de vídeo, essa é a primeira dúvida a se passar pela cabeça de alguém. “Isso acontece comigo, então eu tenho esse transtorno?”. A resposta é bem simples, mas também não é: pode ser que sim, pode ser que não.

Transtornos são identificados a partir de características principais, denominadas “critério diagnóstico”, mas também possuem as secundárias. Tanto os critérios diagnósticos quanto as características secundárias aparecem nas pessoas com determinado transtorno, podendo existir em combinações diferentes ou se manifestar de forma variada. No entanto, ser um traço comum de um transtorno não significa que todo mundo que o apresenta tenha esse transtorno.

Basicamente, o transtorno se constitui do conjunto dessas características, isto é, a presença de vários desses traços juntos. Logo, ter uma, ou duas, ou três características de um transtorno nem sempre significa que você possui o transtorno em específico, podendo haver outras razões para que você manifeste essas particularidades.

Por exemplo, um dos critérios diagnósticos do TDAH é a desatenção, apontada inclusive pelo nome do transtorno, mas isso não significa que toda pessoa desatenta seja TDAH. A desatenção pode ser causada pelo Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, mas também pode ser causada por ansiedade ou por outros fatores. 

Desse modo, você pode, sim, se atentar às características que você tem, especialmente se elas te causam prejuízo. E então, se você perceber que tem muitas delas, pode ser que você se pergunte:

E como eu sei se é realmente um transtorno?

Você pode observar os seus traços e compará-los ao critério diagnóstico. Apesar de não ser o ideal, o autodiagnóstico/autoidentificação é de grande ajuda para que pessoas de baixa renda, que não possuem condições de pagar pelo processo diagnóstico, e de pessoas de determinado gênero e racializadas, que frequentemente tem o diagnóstico negado por racismo científico ou pelos traços do transtorno não se encaixarem nos estereótipos do gênero que lhe foi designado, tenham um maior entendimento de sua própria mente e, consequentemente, consigam lidar com as características prejudiciais de forma mais eficiente.

No entanto, é possível que ler o critério diagnóstico te leve a, de forma inconsciente, reproduzir aquelas características. Por isso, caso você possua condições, anote os motivos e aspectos que te levaram a ter essa suspeita e procure um profissional especializado no transtorno que você suspeita de ter. No caso de uma resposta positiva, você irá se entender melhor e trabalhar as suas dificuldades, sempre respeitando os seus próprios limites. No caso de uma resposta negativa, ele ou outro profissional da saúde mental podem te auxiliar a entender melhor o porquê de tais características se manifestarem e causarem tamanho prejuízo em você, nas suas relações e nas atividades que você pratica.

Independente de possuir ou não um transtorno, o importante é se conhecer e saber lidar consigo mesme, além de compreender que os transtornos e neuro/psicodivergências são muito mais comuns do que se imagina e não possuem “cara”, de modo que qualquer pessoa pode tê-los.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Arê Camomila da Silva
Leitura crítica: Lara Moreno