A assexualidade pode ser definida como um espectro que abrange diversas identidades que dividem a característica de sentir pouca, nenhuma ou apenas condicional atração sexual. Por falta de compreensão do que é a assexualidade, perpetua-se a ideia equivocada de que pessoas assexuais não podem se relacionar sexualmente ou mesmo sentir prazer, seja em relações sexuais compartilhadas ou individuais. Consequentemente, dentro e fora da comunidade assexual (também chamada de ace), há diversas dúvidas sobre a vivência sexual: é possível para pessoas assexuais sentir prazer ao engajar em uma atividade sexual? Como esse prazer se manifesta para elus?
Atração sexual e sexo
A atração sexual não é a única possível: existe também a atração romântica — mencionada comumente, junto ou não da atração sexual —, a estética e a platônica. Além disso, pessoas assexuais podem se identificar como favoráveis, indiferentes ou repulsivas ao sexo. Com esses conceitos definidos, é possível afirmar que existe uma variedade de motivos para que indivíduos assexuais participem de atividades sexuais, sejam elas realizadas sozinhas ou acompanhadas, como o prazer pessoal e a conexão com outra(s) pessoa(s).
As pessoas assexuais sofrem pressão de uma sociedade allonormativa, que espera que todes vivenciem a sexualidade da mesma forma e, por isso, muites relatam que suas experiências sexuais iniciais foram desagradáveis. Ainda assim, é importante que esse outro aspecto da assexualidade também seja explorado.
O tópico do prazer para as pessoas assexuais ainda não é abordado amplamente nas pesquisas sobre assexualidade, apesar de sua importância. Isso, no entanto, não impede que pessoas ace explorem e discutam o tema a partir de suas vivências, seja através da arte ou de fóruns de discussão na internet. A literatura é um espaço fértil para essa construção de narrativas, como o e-book Acender: Antologia da Visibilidade Assexual 2024, uma antologia erótica organizada, escrita e editada inteiramente por pessoas assexuais, publicada pela LGBTQ+Spacey. Nessa antologia, o prazer e a assexualidade são explorados em conjunto, combatendo a simplificação da comunidade ace. O e-book está disponível na Amazon e gratuitamente pelo site do coletivo.
O prazer para as pessoas ace
Estudos como o artigo Deepening Sexual Desire and Erotic Fantasies Research in the ACE Spectrum: Comparing the Experiences of Asexual, Demisexual, Gray‑Asexual, and Questioning People focam em estudar o prazer e o desejo para pessoas assexuais. O texto recolhe relatos de pessoas assexuais de diversas identidades e traz perspectivas interessantes sobre como o desejo e as fantasias sexuais se manifestam nesses casos. O que é possível inferir das respostas é que, em determinadas circunstâncias, pessoas da comunidade ace podem sentir excitação sexual e obter prazer a partir dos atos sexuais realizados. Além disso, algumas pessoas assexuais relatam não ter interesse em sexo com parceires, mas conseguem sentir excitação sexual voltadas para fantasias e se sentem confortáveis com a masturbação. Nesse sentido, pode-se considerar que, para parte das pessoas assexuais, a libido e o prazer continuam presentes, mas há dificuldade em conectar esse prazer a outro indivíduo devido à ausência de atração sexual.
Ainda no campo da masturbação, muitas pessoas assexuais relatam que se masturbam por motivos desconectados da excitação sexual, como por tédio ou para sentir que estão relaxando. Essas experiências são classificadas pelos participantes das pesquisas como neutras ou até mesmo positivas. Já para outras, fantasias ou a possibilidade de atividades sexuais com ume parceire de longa data parecem mais adequadas. Nesses casos, os relatos classificam como excitantes atividades que podem ou não ser consideradas sexuais, como beijos e abraços.
Uma conexão pouco explorada nas discussões, mas extremamente significativa, é a prática do kink e BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo) por pessoas assexuais. Diferente do que muites acreditam, a prática BDSM não precisa estar necessariamente vinculada à atração sexual e pode ser vivenciada como uma forma de conexão emocional, confiança, exploração sensorial ou psicológica. Essas práticas podem não incluir atos considerados sexuais ou penetração de qualquer tipo, se focando nos outros aspectos e dinâmicas do kink.
O prazer para integrantes da comunidade assexual não só pode ser sentido como, em alguns casos, é desejado. A chave está em enxergar a assexualidade como um espectro complexo, que tem muitas particularidades em relação a como as pessoas vão perceber o próprio desejo sexual. É importante também reconhecer a pressão da sociedade allossexual para que as pessoas ace se adequem a um padrão violento e opressor, mas sem excluir e/ou deslegitimar pessoas assexuais que querem explorar seus desejos e prazeres.
Referências
- A expressão da sexualidade na Assexualidade
- Antologia Ace: Acender – LGBTQ+Spacey
- The Asexuality Spectrum: Understanding the Different Types of Asexual
- AGRAWAL, N. et al. “Sex without sexual attraction?”: Perceived sexual experiences of Indian sex-positive asexuals. 17 nov. 2022. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21203/rs.3.rs-2281860/v1.
- COPULSKY, D.; HAMMACK, P. L. Asexuality, graysexuality, and demisexuality: Distinctions in desire, behavior, and identity. Journal of sex research, v. 60, n. 2, p. 221–230, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00224499.2021.2012113. Acesso em: 12 ago. 2025.
- NIMBI, F. M. et al. Deepening Sexual Desire and Erotic Fantasies research in the ACE spectrum: Comparing the experiences of asexual, demisexual, gray-asexual, and questioning people. Archives of sexual behavior, v. 53, n. 3, p. 1031–1045, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10508-023-02784-3. Acesso em: 12 ago. 2025.
- WINTER-GRAY, Thom; HAYFIELD, Nikki. Can I be a kinky ace? How asexual people negotiate their experiences of kinks and fetishes. Psychology & Sexuality, [S.l.], 22 out. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/19419899.2019.1679866. Acesso em: 12 ago. 2025.
- YULE, M. A.; BROTTO, L. A.; GORZALKA, B. B. Sexual fantasy and masturbation among asexual individuals: An in-depth exploration. Archives of sexual behavior, v. 46, n. 1, p. 311–328, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10508-016-0870-8. Acesso em: 12 ago. 2025.
Ficha técnica
Escrita: Camilly Silva
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Jéssica Larissa O.S. e Lívia Oliveira



