Pessoas LGBTQ+ podem doar sangue?

Respondendo diretamente ao questionamento presente no título, sim, pessoas LGBTs podem doar sangue. Contudo, esse desdobramento é recente: antes de 8 de maio de 2020 — quando o STF concluiu que o impedimento à doação de sangue por pessoas LGBTQ+ era inconstitucional e discriminatório —, a orientação sexual de uma pessoa justificava sua inelegibilidade para a doação.

As legislações vigentes à época do julgamento do STF, isto é, a portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e a resolução RDC 34/14 da Anvisa, eram categóricas ao afirmar que “indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes” eram inaptos à doação pelo período de 12 meses, sem apresentar justificativa plausível que fundamente ser justamente este grupo de homens, que engloba gays e bissexuais, por este longo período.

Essa exclusão injusta e arbitrária remonta a estigmas sobre a população LGBTQ+, que emergiram nas décadas de 80 e 90, a partir da epidemia de HIV/AIDS que acometia a sociedade na época, revelando um dos mais poderosos discursos construídos pela LGBTQfobia na sociedade brasileira. Assim, deste período até os dias atuais, a orientação sexual dissidente de homens cis atrela-se, no imaginário coletivo, a uma forte tendência à contaminação por HIV/AIDS.

Ter mantido um segmento da comunidade LGBTQ+ como um grupo de risco por um longo tempo, sem qualquer fundamentação válida e desconsiderando a história de vida dessas pessoas, escancara a força e a crueldade da LGBTQfobia. Além dos impactos óbvios causados para a população LGBTQ+, existe uma invisibilização no que diz respeito à saúde do segmento heterossexual, em se tratando de HIV/AIDS. 

Nos últimos anos, observou-se um alarmante crescimento do número de casos de contaminação entre pessoas heterossexuais. A narrativa LGBTQfóbica de que a população LGBTQ+ é um grupo de risco e, portanto, onde se encontra o maior número de contaminações constrói uma percepção equivocada entre pessoas heterossexuais de que estas estarão imunes aos impactos do vírus HIV. Essa distorção da realidade corrobora a necessidade e a importância de campanhas cujo foco esteja na discussão de práticas de sexo seguras, abarcando pessoas das mais diversas orientações sexuais e identidades de gênero.

Atualmente, sabe-se que o fator determinante para uma maior ou menor contaminação pelo vírus HIV e, consequentemente, para uma potencial transmissão de HIV por transfusão sanguínea, não se encontra à margem da heteronorma, e sim em exposições de risco (sexo sem preservativo), que independem da orientação sexual das pessoas.

Em decorrência da decisão do STF, os questionários realizados para saber se uma pessoa tem os critérios necessários para doar sangue concentram-se em entender o histórico de saúde e descobrir possíveis condutas de risco, em vez de presumir práticas sexuais inseguras somente a partir do conhecimento de que uma pessoa é LGBTQ+.

As marcas dos estigmas e discriminações promoveram danos irreparáveis à comunidade LGBTQ+, ao submetê-la a inquisições constrangedoras e vexatórias, atos contínuos de preconceitos e discriminação, além de obrigá-la a omitir sua sexualidade a fim de evitar exclusão sumária da doação, relegando-a a uma posição de obscuridade e marginalização.

É interessante destacar que, quando o STF discutiu os requisitos discriminatórios requeridos pelas instituições de saúde, os bancos de sangue do país estavam enfrentando um decréscimo em seus estoques, em virtude das restrições sociais da pandemia. Os prejuízos trazidos pela LGBTQfobia se traduzem em prejuízos à sociedade como um todo, já que negar a todo um grupo a possibilidade de contribuir com um simples ato de benevolência e solidariedade, compromete a melhoria considerável de um grande número de pessoas necessitadas e debilitadas.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Mell Martem
Revisão: Lara Moreno e Ingredy Boldrine