A sociedade sempre vilanizou o que considera como estranho e imoral. Seja na mídia ou na ficção, a representação de minorias sociais surgiu com estereótipos negativos, pendendo a desfechos trágicos ou a vilanização. E, obviamente, isso não é diferente com a comunidade trans.
Vilanização é um processo midiático que consiste em representar ou abordar uma figura, seja ela real ou fictícia, como um vilão. Esse artifício foi e ainda é utilizado pela mídia para representar minorias com estereótipos negativos, prejudicando suas imagens.
Um exemplo bastante conhecido é o clássico “O Silêncio dos Inocentes”, filme em que o vilão principal é um crossdresser — uma pessoa que traja vestimentas não comumente associadas ao seu gênero —, e a sua vilania é condicionada à sua expressão de gênero. Por mais que não seja um personagem trans, essa representação foi extremamente prejudicial para a comunidade por décadas. Durante a própria noite do Óscar em que o filme foi premiado, ocorreram protestos LGBTQIA+ contra a má representatividade da obra, que resultou na prisão de 10 pessoas.
Esse tipo de representação é chamada, em inglês, de “queer-coded”, e trata-se de um personagem com características explicitamente queer, mas que não se assume como tal. Um exemplo evidente disso é a Equipe Rocket do famoso anime Pokémon. Jessie e James são os vilões principais, mas também são os únicos personagens recorrentes com traços queer. Eles se fantasiam e assumem papéis de gêneros diversos em seus planos para capturar o Pikachu. Até em uma animação infantil existe uma correlação entre ser queer e ser um vilão.
Como a ficção é um reflexo da nossa realidade, isso se expande além das telas. Atualmente, diversos movimentos do feminismo radical perseguem e retratam pessoas transfemininas como “estupradores em potencial”, definindo a transfeminilidade como a tentativa de “homens” em ocupar o espaço das “verdadeiras mulheres”. Mais uma vez a transgeneridade é tratada como um precedente de vilania.
Essas visões, reforçadas por figuras públicas, como J.K. Rowling, autora da saga Harry Potter, colaboram com a transfobia, tanto a nível estrutural quanto prático. A vilanização parte de um espaço fictício e se estabelece no real, muitas vezes com véus de preocupação e tentativa de inclusão. Todavia, o que realmente acontece é uma cruzada contra pessoas trans, pois, afinal, “elas são essencialmente vilãs”.
Ainda que o crescimento desses movimentos seja visível, nosso saldo é positivo. Com os anos, a indústria recebeu roteiristas e artistas trans cheies de histórias para contar e espaços para ocupar. Diversas obras recentes, como Steven Universe, Heartstopper e Our Flag Means Death, têm se preocupado com representações reais, sem condicionar a maldade ou bondade de um personagem a um recorte LGBTQIA+, seja transgênero ou não.