Fandom culture, cultura de fandom ou simplesmente fandom são termos que se referem a comunidades construídas por fãs de algo, desde obras fictícias até hobbies específicos.
Segundo o teórico e estudioso de mídia Henry Jenkins, fandoms (em particular os de obras fictícias como filmes e livros) se encaixam como um exemplo de cultura participativa onde, em oposição aos comportamentos difundidos pela cultura do consumidor, o público atua como manipulador de significado, se apropriando do material original, criticando e o modificando a bel prazer, criando a partir deste suas próprias narrativas ou atribuindo novos significados ao que já existe, ao invés de se conformar com o que foi oferecido sem nem sequer ter um olhar crítico e profundo.
Devido a essa visão do público não só como consumidor, mas também como produtor, fandoms acabaram se tornando espaços acolhedores para pessoas marginalizadas num geral. Sendo a reescrita e a revisão da mídia atividades comuns dentro dessas comunidades, pessoas que não eram representadas (e não são, pelo menos não de forma completamente satisfatória) pela grande mídia, encontram nas atividades criativas do fandom uma maneira de compartilhar suas visões particulares através da reimaginação das obras consumidas.
Isso ajuda a entender porque uma boa parte das comunidades de fãs vistas hoje é predominada por mulheres. Personagens femininas ainda são frequentemente descartáveis para a trama ou são desenvolvidas para orbitarem ao redor dos protagonistas masculinos, principalmente em obras pertencentes a nichos onde o público é predominado por homens. A ânsia por ver personagens e tramas identificáveis com suas vivências leva a parte feminina do fandom a se engajar na criação e consumo de conteúdo feito de fãs para fãs. Esses conteúdos geralmente tomam a forma de fanfics, fanarts, headcanons, shipps etc.
Embora não se tenha nenhum material oficial que elucide o quanto diferentes grupos estão envolvidos e são propensos a se envolver com a cultura de fandom, é notável a quantidade significativa de minorias ocupando espaços de fãs, como pessoas LGBTQ+ e neurodivergentes, que acabam se tornando maioria em fandoms específicos.
Nota-se uma grande participação da comunidade LGBTQ+ em fandoms de desenho animado, em especial aqueles que se popularizaram a partir de e após 2010, podendo ser um motivo para a predominância desse público o fato dês criadories (de algumas) dessas obras fazerem parte da comunidade e criarem um elenco diverso, fazendo com que tanto pessoas mais velhas quanto mais novas se vejam representadas de maneira respeitosa.
Os desenhos Steven Universo e o reboot de She-ra e as Princesas do Poder são ótimos exemplos de obras que representam e têm seus fandoms como ponto de acolhimento para a comunidade LGBTQ+. A pessoas dessa comunidade também são associadas às atividades de escrever fanfics e criar shipps, já que uma boa parte do material advindo delas consiste em narrativas e exploração de dinâmicas homoeróticas e afetivas, porém também são atividades comumente relacionadas à parte feminina dos fandoms num geral.
Pessoas neurodivergentes podem ser vistas integrando os mais variados fandoms, já que há a possibilidade de seu envolvimento com a comunidade advir de um hiperfoco por alguma obra, personagem, assunto etc. Porém, é evidente o alto envolvimento desse grupo em específico com o fandom furry. Relatos de furrys autistas revelam que o envolvimento com a comunidade e suas atividades específicas é muito benéfico, seja pela expressão criativa através da elaboração de uma fursona, pelos fursuits serem trajes que ajudam com questões sensoriais e de interação (abafando o barulho e tornando o contato físico mais fácil) ou pelo simples fato de se sentirem acolhides em um espaço compartilhado com pessoas que possuem os mesmos interesses, ajudando na socialização.
Por se tratarem, em sua maioria, de espaços online e offline dominados por minorias, muitas vezes o envolvimento com fandoms é visto de maneira pejorativa. Porém, fazer parte dessa cultura, de certa maneira, é uma forma de resistir, de socializar, de se aprimorar e dar ao público a imagem de consumidor visível, crítico e produtor.
Glossário
Fanfic: histórias ficcionais escritas por fãs de uma obra, personagens ou universo fictício já existentes, usando o material original como base.
Fanarts: manifestações artísticas, geralmente em forma de desenhos, feitas por fãs.
Headcanons: ato de atribuir alguma característica, acontecimento, traço de personalidade ou qualquer coisa do gênero a um personagem ou universo fictício em geral, sendo essas atribuições não condizentes e não relacionadas com o material original da obra.
Shipp: ato de apoiar e gostar do relacionamento entre dois personagens, eles sendo um casal ou não
Hiperfoco: caracteriza-se como um estado de alta concentração em uma única coisa durante um intervalo de tempo, algo muito comum em pessoas neurodivergentes.
Furry: comunidade de pessoas que compartilham o interesse por animais antropomórficos.
Fursona: nome dado a personagens que são criados pelos membros do fandom furry como uma personificação delus, mas em forma de animal antropomórfico.
Fursuit: nome dado aos trajes que algumes furrys usam. Geralmente têm a aparência de sues fursonas.
Referências
- Fandom and Participatory Culture – Subcultures and Sociology
- Autism & Fandom – Fionapollo
- Why do Autistic People Really Love Manga? – BBC News
- LGBTQ+ Fans: We’re here, queer, and remaking fandom in our on image – Teen Vogue
- Queer Fandom – Fanlore
- From slash to canon: How fan culture changed LGBT representation in children’s animation – Screen Queens
- Neurodiversity and Fandom – Reactor
- Neurodiversity and Fandom – Fanlore
- For some with Autism, furry culture offers comfort and acceptance
Ficha técnica
Escrita: Chenny
Revisão: Brian Abelha e Viktor Bernardo Pinheiro