Apesar do sucesso de produções Boys Love ou BL em países do sudeste asiático e uma “aceitação” político-religiosa na Índia em questões de gênero, ainda há muitos empecilhos para a comunidade LGBTQIA+ no sul da ásia, seja no que diz respeito à orientações sexuais ou à identidades de gênero.
Vietnã
O Vietnã teve duas religiões influentes introduzidas em sua sociedade no século II e, com isso, também mudou sua maneira de pensar: o Budismo e o Confucionismo.
Não havia relatos específicos de LGBTs no Pali Canon — escrituras do budismo Theravada; entretanto, pesquisas apontaram que todas as doutrinas budistas que são aplicadas aos casamentos tradicionais poderiam ser compatíveis com casamentos do mesmo gênero.
A ideologia budista também não dá uma importância notável à reprodução como algo essencial, mas, ainda que o confucionismo não mostre explicitamente sua discriminação contra relacionamentos homossexuais, ele se mostra discriminatório quando não aceita menos do que a construção de famílias tradicionais. Ele também glorificava o papel do homem e, por isso, sociedades confucianas eram extremamente preconceituosas com homens homossexuais, enquanto relações lésbicas eram quase ignoradas.
Entretanto, os pensamentos confucionistas caem por terra com a chegada dos ocidentais ao Vietnã. No final do século XVIII e começo do século XIX, uma vez que mulheres eram geralmente proibidas de atuar no palco, papéis de personagens femininas eram dados aos homens adolescentes.
Neste mesmo período, há um crescimento significativo da prostituição masculina. E acredita-se que uma das causas deste crescimento se deve ao ópio.
Homens ricos em Annam tinham relações sexuais frequentes com homens que trabalhavam com ópio, os ocidentais tinham medo de mulheres annamitas, que tinham dentes pretos por mascar folhas de betel e noz de areca — o que os fazia acreditar que elas estavam infectadas com sífilis — enquanto que os homens eram bonitos e femininos. Mas, parcialmente devido à conexão com a prostituição, a homossexualidade foi vista de maneira negativa pela sociedade.
Com a chegada do século XX, também há a vinda de muitos progressos sociais, mas relações com o mesmo sexo ainda são estigmatizadas.
Índia
Textos indianos antigos são relevantes para as causas LGBTQIA+ modernas. A religião desempenhou um papel na formação dos costumes e tradições indianas. O hinduísmo assumiu várias posições sobre o assunto, que vão desde conter personagens homossexuais e temas em seus textos até ser neutro ou antagônico em relação a ele. O antigo texto indiano Kamasutra, escrito por Vātsyāyana, dedica um capítulo completo ao comportamento homossexual erótico.
O Arthashastra, um tratado indiano do século II a.C. sobre a arte de governar, menciona uma ampla variedade de práticas sexuais que, quer realizadas com um homem ou uma mulher, eram procuradas para serem punidas com o menor grau de multa. Embora a relação homossexual não fosse sancionada, ela foi tratada como uma ofensa muito menor, e vários tipos de relação heterossexual foram punidos com mais severidade.
Do mesmo modo que o período colonial e as imposições do cristianismo influenciaram muitas sociedades e seus pontos de vista em relação às diferentes orientações sexuais e de gênero pelo mundo, na Índia não foi muito diferente.
Ainda que, peculiarmente, o país costume tolerar mais pessoas transgênero do que homossexuais e multissexuais, até a independência indiana, em 1947, a existência de pessoas LGBTQIA+ era vista como algo impuro. Especialmente das hijras, como eram chamadas as pessoas parte de uma comunidade religiosa hinduísta que se vestiam e portavam de maneira feminizada. Vale ressaltar que, desde os anos 90, o termo é usado para se referir a pessoas que não se identificam com o gênero designado ao nascer.
Estas, taxadas como “tribo criminosa”, passaram a ser vigiadas em 1871. Fichas policiais definiam constantemente pessoas trans como “criminosas e sexualmente desviantes” e, inclusive, autoridades britânicas, instaladas no país durante todo o período de colonização, também fizeram campanhas para extinguir gradualmente a cultura religiosa e toda a comunidade religiosa.
Tailândia
A homossexualidade foi documentada na Tailândia desde o período de Ayutthaya (de 1351 a 1767). A literatura da época de Ayuttaya mencionou relações lésbicas entre as concubinas que viviam no palácio real em um poema, onde o escritor escreve e descreve a maneira como dormiam juntas.
Há relatos de figuras da realeza que se envolviam com pessoas do mesmo gênero e, até mesmo, as estimulavam a expressarem-se como o gênero oposto, como o Príncipe Kraison, filho do rei Rama I. E, também, sobre o quão comum eram as relações entre empregadas domésticas, que viviam no palácio real, e com a própria Princesa Yuangkaeo, em 1956.
Entretanto, os materiais de pesquisa a respeito da comunidade em seu passado não são tão acessíveis. Falando sobre a atualidade, a Tailândia se mostra como um país de extrema aceitação para pessoas LGBTQIA+, mas ainda falha em muitos quesitos.
Enquanto o Ministério do Turismo, a popularidade de dramas (ou doramas) homossexuais, a fama internacional à respeito de suas cirurgias de redesignação de gênero baratas e de boas qualidade trazem à Tailândia uma imagem de país aberto à comunidade LGBTQIA+, a vida além destes pontos não é harmônica.
Mesmo que, ao contrário de países vizinhos, o país não tenha uma lei contra a homossexualidade, e pessoas trans possam se expressar abertamente, seus direitos ainda estão muito longe de serem comparados aos do restante da sociedade e a discriminação continua. De início, temos um furo peculiar em sua fachada, visto que pessoas trans não são reconhecidas legalmente ― até mesmo se estas tiverem passado por uma cirurgia. Por isso, a comunidade trans permanece exposta a todo o tipo de abusos durante o resto de suas vidas.
Essa sociedade, majoritariamente budista, tolera pessoas LGBTQIA+ mas não os aceita. De acordo com o princípio budista do karma, muitos acreditam que homossexuais e transexuais sofrem algum tipo de karma negativo por terem cometido adultério em suas vidas passadas.
Atualmente, no Sul Asiático, o que a comunidade pôde conquistar?
Com a independência indiana, há mais de 70 anos, caminhos foram abertos para que pessoas transgênero conquistassem uma série de direitos. Uma das mudanças mais recentes ocorreu em 2014, quando a Suprema Corte indiana reconheceu a existência de um “terceiro gênero”, entre o masculino e o feminino. No entanto, o reconhecimento legal não significou o fim da segregação. Por exemplo, um dos artigos mais polêmicos na legislação fora a pena estabelecida para agressores, menor do que para quem comete violência contra a mulher.
O mercado de trabalho para pessoas hijras também não é um cenário utópico, visto que cerca de 90% delas são profissionais do sexo. Para além disso, opções comuns e, entretanto, restritas de ocupações são dançarinas e cantoras de casamentos.
O Governo tailândes ainda estuda a possibilidade de aprovar uma lei para reconhecer pessoas trans. Entretanto, a discussão se divide entre fazê-las optar entre o masculino e o feminino ou a inserção de um terceiro gênero.
Em 2015, o governo vietnamita reconheceu cidadãos transgênero, assegurando seus direitos e trazendo voz à comunidade, entretanto a legislação ainda é falha. Pessoas trans ainda têm dificuldade para a alteração dos seus status civis para que fiquem de acordo com o seu gênero, abertura de contas, viagens de avião, ou realização de consultas médicas, de acordo com a organização de homens trans “It’s T Time”.