A sexualidade humana é um assunto presente em todas as sociedades, e é necessário analisar o contexto sócio-histórico a fim de entender como o Ocidente criou expedientes para lidar com este enigma, levando à “invenção da sexualidade”.
Os discursos sobre sexualidade aparecem em momentos sócio-históricos para tentar normatizar as práticas sexuais de acordo com o padrão da época, o que é importante pois o controle da via social só pode ser alcançado pelo controle do corpo e da sexualidade.
Sendo assim, a sexualidade é uma construção social inseparável do discurso de poder e da sociedade da qual ela é constituída. Todos nós estamos presos ao imaginário da nossa cultura, tendo uma posição crítica em relação a ela ou não, visto que esses valores funcionam como suportes para o sujeito em construção.
A regulamentação da sexualidade sempre foi um assunto do Estado, das elites dominantes e da religião, que usam desse poder para criar tanto o discurso sobre tal regulamentação, quanto os dispositivos criados para “controlar” ou “curar” as manifestações da sexualidade “desviantes”, isto é, aquelas que não respondem aos critérios estabelecidos e que ameaçam a ordem vigente.
Todas essas coisas nos fazem entender que a ideia de sexualidade é particular ao destino que o nosso meio sócio-cultural deu ao sexual, portanto, as nossas teorias e rótulos só podem ser entendidos como fruto da perspectiva histórica que a precedeu.
Por exemplo, até 1923, o rótulo de heterossexual significava “apetite anormal ou pervertido por alguém do sexo oposto”, e depois foi adicionado no dicionário Merriam Webster com a definição de: “paixão sexual mórbida por alguém do sexo oposto”. Somente em 1934 que foi dado o significado que nos é familiar hoje, “manifestação de paixão sexual por alguém do sexo oposto; sexualidade normal.”
A atração por pessoas do “sexo oposto” é obviamente anterior a 1934, mas a nomeação e classificação dessa atração é um fenômeno historico e deve ser estudado como tal.
Isso porque, como qualquer orientação, a heterossexualidade surge como uma forma de regulamentar os discursos sobre sexualidade.
Quando é considerado o fato de existirem mais de uma sexualidade que possuem o “mesmo significado”, é preciso considerar também que ela é fruto do seu contexto sócio histórico.
Antigamente, pessoas se sentiam da mesma maneira, mas não possuíam contato direto como hoje, então não sabiam que essa maneira de ser e sentir possuía um nome, como no caso da Omnisexualidade, a qual tem o seu primeiro registro e sua origem no oriente, porém possui o significado de “atração por todos os gêneros” compartilhado com, no mínimo, outras duas orientações.
Existe, também, a criação de termos para pessoas que se sentem mais confortáveis com outros termos. A pansexualidade, por exemplo, surge como reivindicação de pessoas que não se sentem contempladas pelo termo bi, dada a desinformação acerca do seu significado.
Apesar do significado de “dois” do prefixo bi, ele não reflete a binariedade da bissexualidade em si, mas sim da sociedade como um todo, que, erroneamente, associava — e associa até hoje — gênero a homem e mulher, o que, neste caso, leva à associação de que dois é equivalente a todos.
Com o tempo, o sufixo permaneceu, assim como o significado de “atração por todos”, incluindo homens, mulheres e toda a imensidão da não-binariedade.
Desse modo, a bissexualidade engloba e sempre englobou todos os gêneros, sendo o sufixo fruto do seu contexto histórico, o qual surgiu como uma forma de regulamentar os discursos sobre sexualidade.
Também é possível encontrar multissexualidades que não possuem exatamente o mesmo significado, como poli, que na verdade representa vários, mas não todos, e termos mais abrangentes, a exemplo de sáfico e aquileano.
Existir mais de uma palavra para um mesmo conceito não é algo nocivo, pois orientação fala também sobre identidade, sendo uma forma pessoal de se ver representado por rótulos, o que pode vir a trazer a necessidade de algumas especificidades.
A ideia de que todos os multissexuais são bissexuais é limitante e contraevolutiva, além de não ser nem um pouco positivo se manter estagnado num contexto histórico e considerá-lo imutável, visto a mutabilidade da nossa sociedade. Afinal de contas, conforme se entende mais sobre a comunidade, mais relevante se torna a criação de rótulos e identidades.
Antigamente, o termo homossexual englobava pessoas multi, mas pelo fato de a diferenciação se fazer necessária, mudanças foram feitas.
Avançamos criando os rótulos para identidades multissexuais. Apesar disso, a ideia de se utilizar um único termo, se unindo para disputar lugar na sociedade e direitos políticos, pode acontecer dentro dos termos “multissexualidades” ou “monodissidentes”, que funcionam como um guarda-chuva e abrangem bi, pan, omni, poli e outros.
É importante lembrar que existem diversas maneiras de os indivíduos viverem a sua sexualidade de acordo com o gênero, raça e classe, além do contexto social em que se inserem.
Não adianta “lutar” em nome da bissexualidade invalidando as outras multissexualidades. Isso não faz a bissexualidade ser mais respeitada. Todas as sexualidades multi têm sua história e lutaram para estar aqui, e são mais do que parte da comunidade.