Autodiagnóstico, frequentemente posto como autoidentificação, é um processo que, muitas vezes, é o primeiro passo para o entendimento de condições físicas e psicológicas de uma pessoa. Normalmente é nesse processo que identificamos os principais sintomas e vamos em busca de um diagnóstico formal (aquele avaliado por um profissional da área da saúde). Este diagnóstico, porém, pode ser difícil de conseguir, visto que o sistema de saúde pública no Brasil é bastante precário e as unidades particulares oferecem atendimentos muito caros para realidade da maioria da população.
É muito comum que haja discursos contra o autodiagnóstico, pondo que é um processo informal e pode levar, por exemplo, à automedicação, mas a grande maioria dessas falas não leva em consideração a realidade da população brasileira. É claro que, dado o exemplo da automedicação, é importante que nos coloquemos contra esta prática, afinal, ela pode acarretar sérios problemas para a saúde da pessoa que resolva se automedicar.
A OMS conceitua o termo saúde, na sua Constituição de 1946, como “o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Entende-se, então, que a saúde depende de propriedades individuais, mas também do ambiente social e econômico que aquela pessoa está inserida. Levando em consideração a realidade brasileira, o autodiagnóstico é um sintoma decorrente dessa precariedade, logo, invalidar o autodiagnóstico somente por não fazer parte de uma avaliação formal, reflete a desconsideração da fragilidade do sistema de saúde brasileiro.
O direito à saúde não foi tema das constituições brasileiras anteriores a 1988, portanto, é possível concluir que a luta da população brasileira por um acesso democrático à saúde só foi “conquistada” recentemente. Mas se a Constituição Brasileira de 1988 pauta a questão da saúde como “direito de todos e dever do Estado”, por que ainda há essa precarização?
Deve-se entender que o Brasil é um país que possui o capitalismo como modo de produção, este que se baseia no lucro como elemento essencial. Portanto, visto que as nossas relações são profundamente influenciadas pelo capitalismo, o motivo dessa precarização ainda existir vai ficando mais evidente. As empresas privadas que controlam o capital financeiro possuem bastante poder político no Brasil, a nível de poder indicar ministros, por exemplo, para a própria manutenção desse sistema, renovando, assim, sua influência nas políticas da sociedade brasileira. Geralmente são poucas empresas que controlam a maior parte de determinada parte da economia, sendo assim, alguns hospitais privados fazem parte de conglomerados de empresas que participam desse controle. Logo, se essas empresas possuem tanta influência política, elas podem criar essa precarização do sistema público a fim de que as pessoas escolham empresas privadas para realizar um tratamento e, até mesmo, um diagnóstico formal.
Diante da situação de negligência do Estado brasileiro à saúde, surge o autodiagnóstico como sintoma desse problema, numa tentativa de suprir a falta de assistência, que deveria ser garantida pelo Estado.
Com a ampliação do acesso à internet, a pauta do autodiagnóstico se intensificou. Muitas pessoas que, decorrente da impossibilidade de usufruir de um sistema de saúde de qualidade, recorrem a testes rápidos de internet ou pesquisas simples, avaliando os sintomas e fazendo relações individuais com sua condição. Além da precarização da saúde pautada anteriormente, esse problema acontece devido a falta de regulamentação da própria internet, dado que quando pesquisamos algo nos sites de busca mais conhecidos, geralmente são cobertos de anúncios, visto que esses sistemas de busca são alimentados somente pelo dinheiro, logo, quem paga mais tem direito a aparecer no topo das listas de pesquisa. Então, sites que propagam desinformação e inclusive a aplicação desses “testes online” são os que mais aparecem no topo das listas. Isso contribui para uma maior instabilidade das condições da população brasileira que, além de não possuir direito à saúde, é sobrecarregada de ignorância por parte do próprio sistema.
O autodiagnóstico se torna importante nesses casos. Reduzir a pauta do autodiagnóstico como algo prejudicial, sem levar em conta fatores como a classe social da população que procura essa alternativa por não ter acesso a um sistema de saúde que deveria lhe ser garantido, como foi visto na Constituição de 1988. A precarização do SUS é um projeto da burguesia que controla o sistema financeiro, fazendo com que a única alternativa dessa população mais fragilizada seja pagar por um direito que a Constituição Brasileira não garante, nesse caso, para conseguir um diagnóstico formal e, dependendo da sua condição, buscar tratamento.