O passado da comunidade LGBTQIA+ na América do Sul influencia a sociedade ainda hoje, no que diz respeito às opressões coloniais sócio-culturais e seus impactos sobre povos ancestrais. Tal como no Brasil, onde a invasão portuguesa se auto-declarou como uma suposta ideia de salvação aos costumes dos povos nativos, vistos como anormais e indignos pelo ponto de vista cristão, os colonizadores espanhóis também espalharam suas próprias visões em relação às tradições dos povos indígenas.
A homossexualidade na América Pré-Colonial
Esculturas e cerâmicas representando cenas homoeróticas; mitos conservados na memória oral dos nativos e registrados nos manuscritos tradicionais; e relatos dos primeiros cronistas que entraram em contato com os povos indígenas sul-americanos são as fontes de estudo para práticas homossexuais antes da colonização espanhola dispostas aos historiadores.
Segundo os relatos de Gonzalo Fernández de Oviedo, historiador e escritor espanhol, em sua “Historia General y Natural de las Indias”, 1535, o gosto pelo vício nefando se espalhava não só por toda a área circum-caribe, mas também ao longo da Tierra Firme, atual costa da Venezuela e Colômbia, “onde muitos desses índios e índias eram sodomitas”.
Também na América do Sul, na região dos Andes, foram encontrados provas arqueológicas confirmando a prática do homoerotismo antes da chegada dos europeus. Há notícia que os espanhóis teriam igualmente no Peru encontrado e derretido esculturas em ouro representando práticas sexuais entre dois homens. Preservaram-se contudo até nossos dias diversas peças de cerâmica, reservatórios de água ou moringas, onde exímios artistas pré-incaicos esculpiram na argila cenas explícitas entre homossexuais.
Abundam evidências de que os amores homossexuais faziam parte das alternativas eróticas socialmente aceitáveis antes da chegada dos invasores europeus no Brasil e em partes mais meridionais da América do Sul.
Repressão Pós-colonial
A repressão às identidades que não seguissem a norma cis hétero tem seus primeiros efeitos durante o período colonial no território que hoje corresponde à Argentina. Mas antes disso, povos nativos, como os Mapuches, valorizavam por tradição a igualdade entre os gêneros e acreditavam que, dessa forma, poderiam preservar quaisquer privilégios, poderes ou status de pessoas transgênero e interssexo. Mapuches também não possuíam ideias de gênero, entretanto, tinham o conceito e papel social denominado weye, usado para se referir às pessoas que não eram consideradas homens ou mulheres e que se moviam de forma complexa entre diferentes estados que combinavam características performativas, sexuais e de idades.
Quanto a práticas sexuais, este povo não estabelecia uma relação de hierarquia entre as anatomias e aceitava uma variedade de sexualidades. É importante citar também que a cultura guarani tinha certo grau de aceitação às pessoas que hoje reconhecemos como parte da comunidade LGBTQIA+.
Durante a conquista espanhola, invasores das terras indígenas relataram constantemente os vários povos que mantinha relações entre homens ou entre mulheres e apresentavam este fato como atos de selvageria ou distanciamento do Deus cristão. Estes relatos logo deram origem ao mito dos Gigantes Sodomitas da Patagônia e tornaram a sodomia um causa justa, ao ver dos espanhóis, para declarar guerra aos nativos.
Como processo da colonização, a homossexualidade foi imposta como um crime abominável e contrário a Deus, condenando culpades a queimar na fogueira. Ainda que sodomia fosse um crime impreciso, não existem registros de que alguém tenha sido queimado devido a ela.
As expressões “marica” e “maricona” tem origem na coroa espanhola, palavras que ainda hoje são usadas para ofender homossexuais. Até mesmo o Dicionário da Academia Real Espanhola de 1734 inclui a palavra “marica” com a definição “efeminada, covarde, de pequeno brio”.
A herança opressora não impediu que algumas das antigas colônias espanholas se reerguessem a favor dos direitos da comunidade, por exemplo:
Em 2007, o Uruguai tornou-se o país sul-americano pioneiro no reconhecimento da união civil entre homossexuais, e, em 2013, o país foi o décimo segundo do mundo (e o segundo na América do Sul, depois da Argentina) a aprovar o casamento entre pessoas LGBTQIA+. No ano de 2009, aprovou um projeto de lei que permitia a adoção de casais homossexuais. O Uruguai entrou até mesmo para o ranking de melhores países para pessoas LGBTQIA+ no ano de 2014, em nono lugar.
No Chile, o casamento entre pessoas do mesmo gênero teve seu reconhecimento recentemente, em 2021, embora a união entre casais LGBTQIA+ já fosse reconhecida desde 2015 — com direito às mesmas proteções de casais heteronormativos, mas com exceção da adoção. Desde 1974, a retificação de gênero é possível no país por meio de processos judiciais, mas em 2019, a Lei de Identidade de Gênero reconheceu o direito da autopercepção de identidade de gênero a pessoas maiores de 14 anos.
Proibições por Lei em Terras Sul-americanas:
Apesar de muito avançarem desde a colonização até a atualidade, no Paraguai e na Bolívia, é constitucionalmente proibido o reconhecimento de casais do mesmo gênero e, no Suriname, a união e o casamento entre pessoas do mesmo gênero também é proibido. A Guiana é o único país da América do Sul onde ser gay é crime.