Comunidade LGBTQIA+ no Leste Asiático

Finalizamos essa querida série falando um pouco sobre a história da comunidade LGBTQIA+ no Leste Asiático.

Japão

Wakashudō

Muito da visão discriminatória sobre a comunidade LGBTQIA+ no Japão vem da influência ocidental em larga escala, desde a era Meiji (1868-1912) e do início da modernização no país. Ainda que a sociedade japonesa seja tolerante a pessoas LGBTQIA+, pode-se dizer que ainda estão recobrando algumas heranças passadas e voltando a lidar lentamente com esta minoria.

Historicamente, relações entre pessoas do mesmo gênero não eram vistas como incomuns ou abomináveis. Por exemplo, durante o período feudal, relacionamentos entre homens da classe samurai — geralmente, entre mestres e seus aprendizes — eram vistos como normais e, até mesmo, incentivados por líderes de clãs. O nome desta prática entre eles era Shūdō, uma abreviação de wakashudō (若衆道), que significa “O caminho do jovem”, ou melhor, “O caminho da juventude” (若 waka) homens (衆 shū). O “dō” (道) é relacionado com a letra chinesa tao, considerada ser o caminho para o despertar. O parceiro mais velho na relação era conhecido como nenja (念者), e o mais novo como wakashū (若衆).

Dentro desta prática, o nenja/mestre tinha permissão para ter um aprendiz, a quem ensinaria a ele o Bushido — código de honra —, técnicas e treinamentos de artes marciais e, em troca, caso o guerreiro mais experiente quisesse, o wakashū lhe prestaria favores sexuais. Muitas vezes, essa parceria era oficializada através de um contrato de fraternidade, com duração até o final do treinamento do aprendiz ou até que ele atingisse a experiência de um guerreiro.

Além disso, relações sexuais com outras mulheres também eram permitidas a ambos e, uma vez que o wakashū atingisse a maturidade, os dois estariam livres para buscar outros amantes. Vale ressaltar que nem sempre o aprendiz estava de acordo com essas práticas, mas uma vez que selava a fraternidade com seu mestre, satisfazê-lo sexualmente estava entre suas obrigações.

Nesta época, também era uma crença comum a de que mulheres roubavam a energia e desviavam o foco de um guerreiro. Isso os levavam a se envolver com aprendizes, já que não deveriam levar suas esposas a batalhas e não deveriam ter relações sexuais com prostitutas. Quando não tinham um aprendiz à disposição, frequentavam prostíbulos, onde mulheres e jovens homens, geralmente atores do teatro Kabuki, ofereciam tais serviços.

Teatro Kabuki

Um entretenimento tradicional do Japão, originado no séc. XVII, também era outro exemplo histórico dos costumes de pessoas LGBTQIA+.

Nestas encenações dramáticas, tais como performances de danças e música, era comum ver atores masculinos representando papéis femininos. No Período Edo, este tipo de entretenimento passou por uma degradação, ao ser relacionado com o estilo de vida Ukiyo, onde muites atories, entre homens e mulheres, passaram a prestar serviços sexuais em diversas zonas de prostituição conhecidas em Edo (Tóquio).

E, pela incidência de atrizes envolvidas com a prostituição, mulheres foram proibidas de participar do Kabuki. Nesta época, o Yaro Kabuki, grupo teatral formado apenas por homens crossdressers, conhecidos como Onnagata, se espalhou. Neles, era comum que homens jovens fossem escolhidos para fazer papéis femininos, mas isso não os retirou de todo o contexto que os levavam a prostituição. Inclusive, frequentadores destas encenações teatrais tornaram-se cada vez mais desordeiros e causavam tumultos durante as apresentações.

Isso motivou a proibição dos Onnagata, durante o governo xogunato/shogunato, seguido aos wakashū. Posteriormente, o Kabuki voltou aos poucos, mas perdeu seu espaço para o Bunraku (teatro de bonecos japoneses). Entretanto, após altos e baixos, o Kabuki voltou ao posto de arte e se popularizou novamente entre os estilos tradicionais de drama japonês.

Hoje em dia, alguns grupos teatrais já aceitam mulheres para representar papéis Onnagata, embora outros se mantenham tradicionalmente com atores masculinos. Existem também grupos com apenas mulheres no elenco (Onna-Kabuki).

China

Apesar do que se pensa sobre a China e sua relação atual com pessoas LGBTQIA+, não existem evidências reais de interdição da homossexualidade no taoísmo, assim como ela não era considerada um crime ou imoral; confucionismo também não focou suas diretrizes nas práticas sexuais, mas sim nos comportamentos sociais da época; e as recomendações budistas variam tanto no perído histórico como com cada Dalai Lama — supremo sacerdote e guia espiritual no lamaísmo. Relações homoafetivas não eram consideradas pecado nessas três religiões, mas as filosofias asiáticas enfatizavam a continuidade da família, e, por esse motivo, era extremamente importante para um homem ter filhos e dar posterioridade ao nome do pai.

Relações homossexuais eram comuns dentro de muitas dinastias até que a cultura ocidental influenciasse o pensamento chinês. Para começar, as discrições da homossexualidade eram mais poéticas do que as expressões psiquiátricas vindas do ocidente. 

Elas se referiam a eventos históricos entre imperadores, como, por exemplo, “A Paixão da Manga Cortada”, da Dinastia Han, imperador Ai Ti, e “O pêssego mordido”, da Dinastia Zhou. No primeiro conto, existe a referência a história do imperador Ai Ti da Dinastia Han, que, enquanto descansava com seu amante em seus braços, preferiu cortar a manga de suas vestes para libertar seu braço, debaixo de seu amado, ao invés de acordá-lo.

As fontes a respeito de amores sáficos são poucas, mas também existem frases antigas e insinuações que faziam referência a eles. Durante a dinastia Qing, poetas produziam textos sobre a homossexualidade, promovendo a emancipação das mulheres e sugerindo um contrato de casamento homoafetivo.

Foi durante a era de Mao que a homossexualidada foi criminalizada e proibida como parte da lei que punia o vandalismo. Em 1984 a criminalização da homossexualidade deixou de ser aplicada, mas foi somente em 1997 que o crime de sodomia foi removido do código criminal. A filosofia de Mao se centrava na negação da existência da homossexualidade, classificando-a como um “elemento ruim” entre proprietários, ricos e contrarrevolucionários.

Sob o governo de Deng Xiaoping e com a abertura do mercado liberal da China, a homossexualidade foi assoxiada com noções negativas: drogas, álcool e alguns crimes. A China enviou homossexuais para hospitais psiquiátricos até o final dos anos 90, usando métodos bárbaros para “curá-los”.

Além do ano descriminalização da homossexualidade ser algo de extrema importântica, 2001, ano em que ela deixou a lista de doenças psiquiáticas, também foi uma conquista de peso para a comunidade no território chinês.

Coreias

Vários membros da nobreza e monges budistas confessaram atrair-se por membros do mesmo gênero ou, até mesmo, envolver-se entre si na história coreana. Supõe-se que o primeiro exemplo registrado seja de Hyegong, o 36º governante da Dinastia Silla, que foi vítima, aos 22 anos, por seus próprios nobres, em protesto a sua “feminilidade”. Registros tradicionais descreviam-lhe como “um homem pela aparência, mas uma mulher por natureza”. Estes mesmo registros mostram, também, que Hyegong tinha tendência tanto homossexual quanto bissexual.

Os reis Mokjong (980-1009) e Gongmin (1325-1374), de Goryeon, também tiveram registrados seus vários wonchung, amantes masculinos, em suas cortes como “irmãos menores atendentes” (chajewhi), que serviam como parceiros sexuais. Inclusive, após a morte da esposa, o rei Gongmin chegou ao ponto de criar um ministério apenas para procurar e recrutar jovens de todo o país para servirem a sua corte. E, contrastando a isso, a Princesa Coroa Sol do Clã Bong, consorte do príncipe herdeiro de Joseon, Munjong, foi expulsa do palácio e rebaixada ao status de plebéia por ter relações sexuais com uma de suas criadas.

Hwarang era uma forma mais aberta de relacionamento entre pessoas do mesmo gênero na Coreia antiga. Suas histórias sexuais foram registradas na Memorabilia dos Três Reinos, por meio de peças de Silla, como Changipalang-ga (찬기 파랑가), Mojugjilang-ga (모죽지랑가) e Ch’oyong-ga (처용가).

Na Dinastia Goryeo, a atividade sexual entre pessoas do mesmo gênero era conhecida, também, como uma união entre “dragão e sol”, o que conferia a ela o senso de valor social na época. Durante a Dinastia Joseon, no entanto, a sociedade coreana passou por uma mudança completa e elitistas confucionista declararam a homossexualidade como algo perverso e depravado — mas ela ainda acontecia clandestinamente, tanto entre plebeus, quanto nobres. Ainda nesta era, antes da anexação japonesa, grupos de teatro itinerantes conhecidos como namsadang, que incluíam homens menores de idade, os chamados midong (meninos bonitos), forneciam “vários tipos de entretenimento”, às vezes como representações gráficas de relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero.

Atualmente

Com a divisão das Coreias — Norte e Sul —, cada uma delas seguiu diretrizes opostas quanto aos direitos e à convivência com pessoas da comunidade. Enquanto na Coreia do Norte a discussão pública ou abordagem LGBTQIA+ é proibida e vista como um “vício do capitalismo”, na Coreia do Sul não há punição ou restrição legal da comunidade, mas também não há total proteção.


Referências: