Gatekeep e Neurodivergência

No contexto da neurodivergência (ND), o gatekeeping torna a comunidade menos acolhedora e inclusiva, já que o olhar capacitista faz com que as pessoas neurodivergentes frequentemente experimentem marginalização dentro da própria comunidade. É comum que jovens autistas, indivíduos com TDAH ou outros transtornos que buscam comunidades online sofram ataques de desconhecidos por usarem terminologia considerada inapropriada por alguns, o que pode impactar o sentimento de pertencimento e aceitação que possam ter encontrado.

Este policiamento das identidades neurodivergentes é feito pelos chamados “gatekeepers”, pessoas que tendem a tratar a comunidade ND como monolítica, onde uma visão de mundo é correta e as outras são criticadas, o que cria um efeito paralisante nas discussões online, com as vozes gatekeepers reverberando mais e excluindo todas as outras.

O privilégio de poder defender-se não está ao alcance de todes ês ND. Muitas pessoas no espectro autista, por exemplo, podem experimentar deficiências intelectuais e/ou serem não-verbais, fazendo com que não tenham oportunidades adequadas de expressar como se sentem. Isso resulta na desconsideração de suas necessidades e desejos. Entendendo-se que assumir o direito de falar pelos outros, algo comum entre os gatekeepers, invisibiliza ainda mais aqueles desfavorecidos dentro da comunidade.

O gatekeeping também dificulta o acesso aos benefícios para pessoas ND. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Lei dos Americanos com Deficiências (ADA) não exige documentação médica para dar acesso à estes benefícios, mas mesmo assim as instituições têm permissão legal para pedir estas documentações. Por exemplo, muitas Universidades exigem que as pessoas ND façam o Scholastic Aptitude Test (SAT), um teste de conhecimentos,  quando se busca conseguir acomodações específicas para quem é ND, mas tal solicitação se torna basicamente um obstáculo devido ao impacto psicológico e ao custo do teste.

No Brasil podemos ver isso nas grandes dificuldades enfrentadas por pessoas ND para acessar serviços de saúde mental de qualidade, além disto a desconfiança em relação à veracidade dos diagnósticos cria um ambiente hostil e excludente.

O gatekeeping dentro da comunidade ND é uma prática prejudicial que invalida vivências e atrapalha processos de diagnóstico, ao mesmo tempo em que ignora a rica diversidade de experiências neurodivergentes. Para construir uma comunidade verdadeiramente inclusiva, é crucial reconhecer e respeitar essa diversidade, promovendo um diálogo aberto e acolhedor que permita a todos os ND expressarem suas próprias identidades e experiências.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Reinaldo Coutinho Simões
Leitura crítica: Arê Camomila da Silva
Revisão: Brian Abelha