Higienização da comunidade LGBTQ+

A comunidade LGBTQ+ é historicamente considerada dissidente dos padrões estabelecidos pela sociedade e, por isso, tem sido perseguida e marginalizada ao longo dos séculos. Nos últimos anos, várias políticas antidiversidade têm sido promovidas por grupos conservadores. Nesse contexto, emerge a ideia de que a comunidade LGBTQ+ pode ser “purificada” até se adequar aos padrões moralistas daqueles que desprezam e deslegitimam as vivências dissidentes dessa população.

Conservadorismo na comunidade LGBTQ+

A associação entre conservadorismo e a comunidade LGBTQ+ pode parecer impensável à primeira vista, sobretudo considerando que grupos conservadores frequentemente atacam minorias marginalizadas. No entanto, a presença de pessoas da comunidade que se identificam politicamente como conservadoras é uma realidade. Essa identificação ocorre por diversos motivos, sendo um dos principais a sensação de desconexão em relação ao conceito de “comunidade LGBTQ+”.

Com frequência, essa dissociação assume uma lógica binária entre “nós” e “eles”: sendo que “nós” representa um grupo minoritário, que mantém certos privilégios dentro da sociedade — como homens gays, cisgêneros, brancos e de classe média —; enquanto “eles” se refere a um grupo com menos privilégios — como pessoas trans —. Indivíduos LGBTQ+ que também fazem parte de grupos socialmente privilegiados podem acabar se distanciando da comunidade na totalidade, passando a se identificar com discursos e figuras conservadoras, acreditando ser possível se adequar a um padrão de “normalidade” imposto por aqueles que, em geral, condenam essa mesma comunidade.

Esse movimento de divisão é perceptível no surgimento de grupos trans-exclusionistas — como o movimento Trans Excludent Radical Feminism (TERF ou Feminismo radical transexcludente, também conhecido como RADFEM) e o grupo que se denomina LGB, que almeja se separar das outras identidades, contidas nos elementos “TQ+”, da sigla —, na exclusão de pautas relacionadas à não-binaridade (como o uso da linguagem neutra) e na rejeição de comportamentos considerados “depravados”, geralmente associados à comunidade kinky e BDSM (Bondage, Disciplina, Sadismo e Masoquismo). Assim, constrói-se uma ideia restritiva de como uma pessoa queer deve se portar, evitando qualquer associação com aquilo que a sociedade julga como “degenerado”. Dessa forma, estabelece-se um modelo de identidade queer que se conforma às normas heteronormativas e cisnormativas, com o objetivo de ser considerado “respeitável”.

O auto ódio

Ainda tratando da associação entre pessoas LGBTQ+ e princípios conservadores, pode-se considerar a hipótese do ódio de si e do medo de encarar a própria identidade. Há diversos exemplos de políticos que, embora se autodeclarem parte da comunidade LGBTQ+, atuam contra os direitos desse mesmo grupo. Em consonância com o que foi mencionado anteriormente, a maioria desses políticos é homens cis, gays e brancos, geralmente com forte vínculo com a religião cristã, a qual orienta seus posicionamentos conservadores em relação às minorias sexuais e de gênero. 

Os partidos de direita, aos quais essas pessoas estão associadas, as utilizam justamente como exemplo de que mesmo aqueles que tradicionalmente condenam podem ser aceitos nesses espaços conservadores, desde que estejam dispostos a suprimir sua verdadeira identidade. Dessa forma, pessoas LGBTQ+ em situações de vulnerabilidade, marcadas pela culpa cristã, podem acabar sendo cooptadas por esse movimento.

Conceito da pessoa LGBTQ+ “respeitável”

Yuvraj Joshi, em Respectable Queerness, argumenta que a aceitação de pessoas queer depende da forma como sua sexualidade é performada dentro dos moldes heteronormativos e cisnormativos da sociedade — ou seja, mantendo dentro dessas relações papéis de gênero que não deveriam se aplicar, mas que muitas vezes são forçados em pessoas LGBTQ+ pela sociedade.  Essa perspectiva também exige que a expressão de gênero dessas pessoas não se desvie do “sexo” designado no nascimento, excluindo assim pessoas trans e pessoas não-conformistas de gênero (gender non-conforming) da equação que liga determinado tipo de comportamento à possibilidade de obter respeito social. Joshi aponta, ainda, que é esperado que esses relacionamentos sejam vividos privadamente, pois ainda são vistos como uma indecência que deve se manter excluída da esfera pública.

O esforço para se afastar de comunidades historicamente aliadas da população LGBTQ+, como a comunidade BDSM e os relacionamentos não-monogâmicos, evidencia uma tentativa de higienizar a imagem da pessoa queer. Trata-se de uma tentativa de aproximação do conceito de “respeitabilidade” proposto por Joshi, em que a aceitação social depende da negação de tudo aquilo que fuja dos padrões normativos dominantes. 

Obviamente, essa tentativa de adequação não é realmente viável, especialmente quando se considera que as políticas conservadoras visam reduzir progressivamente os direitos de toda a comunidade LGBTQ+, e não apenas dos grupos considerados dissidentes do padrão cisheteronormativo. Apesar de alguns acreditarem ser possível conciliar uma identidade LGBTQ+ com a conformidade aos padrões normativos, essa ilusão se desfaz diante do crescente avanço das políticas antidiversidade adotadas nos últimos anos em diversos países.

Nos últimos anos, apesar de diversas conquistas — como leis antidiscriminação e o reconhecimento civil de pessoas não binárias em documentos oficiais —, a comunidade LGBTQ+ continua sendo retratada por grupos conservadores como uma ameaça à moralidade. Esse pânico moral é frequentemente explorado pela extrema-direita, que recorre a narrativas fabricadas para ganhar espaço político às custas de grupos marginalizados, como a população LGBTQ+. Por isso, é possível inferir que a tentativa de adequação a padrões morais que anulam a individualidade e a diversidade da comunidade não apenas é prejudicial, mas também inútil quando se busca aceitação em uma sociedade que rejeita, essencialmente, tudo aquilo que você é.

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Ficha técnica

Escrita: Camilly Silva
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Mariana Correa