Diversos direitos para pessoas LGBTQ+ foram conquistados nas últimas décadas, principalmente a partir do processo de redemocratização do Brasil e da Constituição Cidadã promulgada em 1988, contendo em si os princípios dos Direitos Humanos. No entanto, constantemente se encontram movimentos opostos: alguns a favor da legislação dos direitos de pessoas LGBTQ+ e políticas para sua implementação de fato, e alguns contra, querendo inclusive se opor a direitos básicos da Constituição brasileira.
Os direitos familiares a pessoas LGBTQ+ também estão em debate, embora muito já tenha sido conquistado. Aqui pretende-se abordar os direitos familiares existentes para essa população, o que ainda precisa ser legislado e de que forma a abordagem assimilacionista de conquista de direitos influencia a sociedade. Vale destacar que os direitos de contrair matrimônio e fundar uma família e o da não discriminação dos direitos e liberdades estão expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Direito ao casamento e união estável
Nenhuma constituição brasileira havia explicitamente proibido o casamento entre pessoas do mesmo gênero/sexo, mas manuais de direito civil e decisões juridicas eram sempre contrários à legalidade do casamento LGBTQ+. Em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, o debate sobre a legitimidade da união estável de casais homoafetivos no contexto legal foi levantado justamente por seus opositores, a partir de manifestações da mídia e de movimentos sociais que debatiam essa possibilidade. Isso ocasionou na especificação da redação do Código Civil de 2003 para declarar que “o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam (…)”, excluindo a possibilidade de legitimação de uniões homoafetivas.
Apesar disso, em 2011 foi realizado o primeiro casamento legal (não nulo) homoafetivo, de Kátia Ozório e Leticia Perez, no Rio Grande do Sul, criando precedentes para futuros casamentos. Esse marco não surgiu do nada, mas foi fruto de uma construção e de embates sobre os direitos LGBTQ+. O pedido de autorização do casamento se deu meses após a decisão do STF, que reconheceu a união estável entre casais homoafetivos, e o casal foi patrocinado pela ONG de defesa dos direitos LGBTQ+ Somos.
Antes disso, em 2003, também no RS, foi reconhecido pela primeira vez o direito sucessório de companheiro homossexual (direito à sucessão de bens, direitos e obrigações). Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça proibiu a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamentos de casais homoafetivos, reforçando os direitos dessa população. Ainda assim, o Código Civil mantém o mesmo texto discriminatório, e diversas tentativas são feitas para modificar a lei brasileira a fim de proibir tais relacionamentos, alegando-se principalmente motivos morais e/ou religiosos.
Adoção e direitos reprodutivos
Existem diversas formas para pessoas LGBTQ+ fundarem uma família, a depender de sua vivência. A adoção, forma amplamente procurada nesses casos, não é apenas uma ferramenta de construção familiar, mas também uma oportunidade de ampliar o bem-estar de crianças e adolescentes que, por diversas razões, não estão com suas famílias biológicas.
No Brasil, não há distinção legal entre a adoção realizada por pessoas LGBTQ+ e as demais, podendo qualquer indivíduo de 18 anos ou mais, com condições de cuidar de uma criança que seja pelo menos 16 anos mais nova, adotar. Em 2015, uma decisão da ministra Cármen Lúcia, de negar um pedido de dissolução de uma adoção por um casal LGBTQ+, criou um precedente para essas situações.
Para casais de pessoas com útero, a inseminação artificial é uma solução possível, mas custosa. O Conselho Federal de Medicina (CFM) permite, desde 2013, a utilização de técnicas de reprodução assistida para pessoas em relacionamentos homoafetivos e solteiras, sendo que, em 2017, o Conselho também passou a permitir a gestação compartilhada entre pessoas com útero, utilizando-se os gametas de uma pessoa e o útero da outra. Essas políticas foram ampliadas para pessoas transgêneras em 2022. Quando optam pela inseminação artificial assistida em clínicas especializadas, os casais de mulheres ou pessoas com útero podem escolher entre a utilização de sêmen de doador anônimo ou parental, e o nome das duas mães já será incluído na Declaração de Nascido Vivo logo após o nascimento, desde 2016. No entanto, devido ao alto custo financeiro dessa opção, muitos casais optam pela utilização da inseminação caseira, combinada entre o casal e o doador de sêmen sem intermédio de clínica. Esse método possui diversas complicações, desde riscos sanitários até dificuldades jurídicas, em que o papel de doador e pai se misturam, podendo este reivindicar paternidade sobre a criança mais tarde. Também é mais dificultoso o processo de inclusão da dupla maternidade da criança.
Já para casais homoafetivos masculinos ou sem útero, a inseminação assistida necessita de uma barriga solidária, que possui legislação própria. Segundo o CFM, é necessário doação de óvulos de uma doadora anônima ou parental, e uma doadora de útero de substituição, devendo esta ser parente de até quarto grau de uma das partes e já ter tido pelo menos um filho.
Licença e salário-maternidade
A licença e salário-maternidade estão presentes para casais e pessoas LGBTQ+ em alguns casos. Nos casos de casais de duas mulheres que utilizaram da reprodução artificial, o salário e a licença-maternidade estão garantidos, pois os direitos da mãe não gestante são equiparados aos da gestante. No entanto, apenas uma poderá tirar a licença de 120 dias, cabendo à outra apenas a licença de 5 dias. No caso de adoção, equiparam-se aos direitos de casais que gestaram uma criança, cabendo tanto direitos de licença quanto salário-maternidade, inclusive para casais homoafetivos masculinos desde 2013. Apesar disso, esses direitos não se aplicam a casais homoafetivos masculinos que tenham utilizado da barriga solidária, configurando tanto uma desigualdade de acesso aos direitos quanto de uma má interpretação dos motivos para a existência desses, que não se referem apenas apenas à questões físicas da mãe gestante, mas também para construção do vínculo com a criança, sendo benéfico para ambas as partes: pais e criança/as.
Famílias pluriparentais e poliamorosas
Infelizmente, relações poliamorosas não possuem tanta proteção jurídica quanto os demais modelos familiares presentes dentro da comunidade LGBTQ+. O casamento com mais de uma pessoa é reconhecido como bigamia e tipificado como crime no Código Penal, e já a união estável não é reconhecida com a existência de outra ou de casamento, sendo essa situação caracterizada por Alexandre de Moraes, ao discutir um caso de sucessão, como bigamia. No entanto, em 2023, foi reconhecida, no Rio Grande do Sul, a união estável de um casal com estado civil reconhecido e uma mulher gestante, como um trisal, pela 2ª Vara de Família e Sucessões de Novo Hamburgo. Dessa forma, o filho gerado poderia, inclusive, ter em sua certidão as duas mães e um pai, caracterizando-se como uma família pluriparental. Embora exista um apagamento das relações poliamorosas no âmbito jurídico, os direitos pluriparentais são reconhecidos no Brasil, até porque não se enquadram apenas em famílias poliamorosas, mas também, por exemplo, em famílias compostas por padrastos e madrastas.
Conclusão
Apesar de muitos direitos familiares LGBTQ+ serem reconhecidos no Brasil, ainda se faz necessário refletir sobre sua expansão e sobre a forma como esses direitos estão expressos. Discute-se, por exemplo, que a maneira assimilacionista a qual os direitos foram implementados não abre real possibilidade para a diversidade, enquadrando essas famílias em padrões normativos baseados na cisgeneridade, heterossexualidade, monôgamia e patriarcado. Ao legislar que, em um casal homoafetivo composto por duas mulheres, apenas uma teria direito à licença maternidade completa, não estaria a lei rejeitando o caráter não normativo da relação, encaixando a outra mãe na categoria “pai” e, portanto, “homem”?
Referências
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- Salla e Salla (2020). SALÁRIO-MATERNIDADE NA BARRIGA SOLIDÁRIA A CASAIS HOMOAFETIVOS MASCULINOS: possibilidades e fundamentos jurídicos
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- ANOREG BR- Código Civil: juristas querem substituir termo ‘homem e mulher’, reconhecendo novos conceitos de casamento. 2024
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- STF, 2020. STF rejeita reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas
- G1 RS, 2023. Justiça reconhece união estável de trisal no RS e filho terá direito a registro multiparental
- Santos e Viana, 2021. O RECONHECIMENTO DA PLURIPARENTALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO E OS SEUS EFEITOS NO DIREITO SUCESSÓRIO E NO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS
Ficha técnica
Escrita: Bibiana Christofari Hotta
Revisão: Mariana Correa e Déborah Ramos