Com o passar do tempo é comum que novas palavras, termos e gírias sejam inseridos na nossa linguagem; não de uma maneira aleatória, mas sim decorrente de uma construção sociocultural, de necessidades expressas na realidade das pessoas que se utilizam de determinado idioma para se comunicarem. Entende-se que a língua é um processo nunca concluído, um trabalho coletivo organizado por todes ês falantes, com interações baseadas tanto em linguagens orais, quanto visuais e escritas.
Tendo isso em vista, é possível entender que a língua é um produto de seu tempo. Sendo assim, alguns termos podem não ser mais adequados de serem utilizados hoje em dia, por não representarem mais a sociedade e suas novas construções sociais, seus costumes, etc, ou, muitas vezes, serem termos utilizados numa lógica de opressão não mais aceita socialmente.
O caso do termo “pessoas que menstruam” entra na lógica da opressão cometida contra pessoas trans. Quando se fala sobre saúde ginecológica, é frequente vermos a utilização de termos femininos, ou mesmo chamar esse tipo de cuidado de “saúde da mulher”. Essa lógica é inteiramente pensada sobre pessoas cis, em torno da cisnormatividade. Isso desconsidera totalmente pessoas trans, que divergem dessa lógica, e isso acaba as afetando diretamente todos os dias, visto que se trata de uma manifestação da transfobia que invisibiliza e nega acesso a informação e saúde — de modo que muitos profissionais não sabem lidar com essas pessoas. Basta observar quando qualquer grande veículo de comunicação aborda esse tipo de assunto, sempre com termos como “saúde da mulher”, “cuidados femininos”, etc. Muitas vezes abordam a questão da gestação também na mesma ideia de relacionar órgãos genitais ao gênero.
O estudo “Porque ginecologia é pra mulher né?!: a experiência de homens trans no atendimento ginecológico”, feito por Gabriela Siracusa Nascimento, analisa relatos de homens trans que revela um profundo despreparo dês médiques no atendimento das demandas de homens trans no que se refere ao tratamento ginecológico. Segundo ela, isso teve impacto direto nas condutas e protocolos seguidos, assim, houve a recusa de certos tratamentos, além de episódios de discriminação e desrespeito ao nome social.
O tratamento relacionado à identificação de gênero baseada nos corpos das pessoas surge há muito tempo e se mantém até hoje, evidenciando que o pensamento hegemônico é cisnormativo, organizado numa estrutura que não pode desconsiderar o viés classista. Este trata especificamente da luta de classes, e em como a classe dominante, a burguesia, organiza essa forma de pensamento (cis e heteronormativa, além de promover outras estruturas de opressão, como a branquitude, que se relaciona diretamente a partir da dominação burguesa) desde que ela possui esse poder, utilizado especialmente para o fim de oprimir a classe trabalhadora.
Assim, a proposta de utilização do termo “pessoas que menstruam” se refere à corporalidade, especificamente questões fisiológicas. Ele não tem como objetivo invisibilizar mulheres cis desses debates, mas abarcar também homens trans, não-bináries e pessoas intersexo, que não fazem parte da moldagem binária e cisnormativa organizada estruturalmente pela classe dominante.
Utilizar o termo prioriza a corporalidade e não relaciona erroneamente com gênero, que se trata de uma construção sociocultural e não biológica. É um termo que inclui outras identidades, que as trata com o respeito e a dignidade que merecem. Deve-se pensar em ideias inclusivas, que compreendam outras identidades de gênero, principalmente as marginalizadas — tanto pelo sistema que estrutura essa opressão quanto pela própria comunidade LGBTQIA+, que por vezes ainda marginaliza certas identidades e orientações.