O problema com a Síndrome de Asperger não está nas pessoas diagnosticadas, mas sim na atuação do pesquisador austríaco Hans Asperger no período da Alemanha nazista.
Existem, hoje, milhares de pessoas no mundo diagnosticadas com TEA. De acordo com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, 2020), a porcentagem estimada de crianças de 8 anos com TEA é de 1 em 54. Com isso em mente, é importante lembrar que a nomeação de um diagnóstico médico é uma honra, que carrega a indicação de descoberta e a atuação nas pesquisas acerca do tema, tal qual Alzheimer e Parkinson.
O texto a seguir busca explicar a razão e a necessidade de se abandonar o diagnóstico de síndrome de asperger, baseado nas pesquisas da historiadora europeia Edith Scheffer.
Quem foi Hans Asperger?
Hans Asperger nasceu em uma fazenda ao redor de Viena e se juntou em 1934 à Frente Patriótica Austrofascista, enquanto atuava em uma clínica psiquiátrica, vindo a falecer em 1980.
Sendo conhecido majoritariamente por seus estudos e pesquisas com crianças autistas, a historiadora Scheffer passou 7 anos pesquisando o passado de Asperger na Viena Nazista, abordando de forma mais detalhada os horrores cometidos por Asperger em seu livro “Crianças de Asperger: As Origens do Autismo na Viena Nazista” (Asperger’s Children: The Origins of Autism in Nazi Vienna).
Asperger está entre os primeiros pesquisadores a descrever o autismo, e as suas décadas de trabalho foram usadas como base para formar o conceito que conhecemos hoje como espectro autista.
Entretanto, historiadores e pesquisadores apontaram a sua associação com o partido nazista e seu envolvimento nas tentativas de eutanasiar crianças com deficiência, o que desmente a crença de que Asperger resistiu ao terceiro reiche. Além disso, há evidências de que Hans aprovou o envio de dezenas de crianças para uma clínica conhecida como “Am Spiegelgrund”, em Viena, onde foram conduzidos experimentos em crianças — é estimado que quase 800 crianças foram vítimas dessa clínica.
A tese de Hans
No período pós-guerra, o psiquiatra buscou se afastar da sua pesquisa nazista acerca da “Psicopatia autista”. Seu trabalho passou um tempo em que foi limitado apenas à Áustria, até que, em 1981, a psiquiatra britânica Lorna Wing descobriu as teses de Asperger e, no mesmo ano, publicou o estudo “Síndrome de Asperger” baseado nas teses, o qual serviu para definir parâmetros para o diagnóstico de autismo, propondo 6 princípios básicos:
- Verbalização correta, mas estereotipada e pedante;
- Comunicação não-verbal caracterizada por gestos socialmente convencionados como inadequados, voz sem entonação e poucas expressões faciais;
- Ausência de manifestações convencionais de empatia;
- Prefere a repetição, aversão a mudanças;
- Deficiência de coordenação motora, como postura e movimentos;
- Boa memória mecânica e limitados interesses especiais;
Em 1992, a Organização mundial da saúde (OMS) incluiu o termo na classificação internacional de doenças (CID-10), e, em 1994, a associação americana de psiquiatria adicionou a síndrome de asperger no manual de diagnóstico e estatístico de transtorno mental (DSM-IV).
Nas versões mais recentes do CID e do DSM, a síndrome de asperger está incluída no Espectro autista, de forma que facilite o diagnóstico e o acesso a serviços de saúde.
Hans Asperger e o envolvimento com o partido nazista
Acerca do envolvimento de Hans Asperger com o nazismo, foi por muito tempo descrito que ele era uma figura benevolente que salvou crianças autistas dos campos de extermínio, porém, em 2005, um médico historiador chamado Michael Hubenstorf foi o primeiro a revelar o envolvimento de Hans com o médico nazista Franz Hamburger. Em 2015, no livro Neurotribos: O Legado do Autismo e o Futuro da Neurodiversidade (NeuroTribes: The Legacy of Autism and the Future of Neurodiversity), o jornalista Steve Silberman também ligou Hans a Hamburger, porém sem conexão direta com a eugenia nazista.
Durante a guerra, a clínica infantil que Asperger trabalhava foi bombardeada pelos aliados, e por muito tempo as pessoas acreditaram que os registros clínicos estavam perdidos.
Em 2009, o médico Herwig Czech foi convidado a falar, no ano seguinte, em um comemorativo de 30 anos da morte de Asperger. Por conta disso, ele começou a investigar os registros do governo de Viena, desejando obter mais detalhes acerca de Asperger. Sua investigação levou a um arquivo do partido nazista, o que comprovou a lealdade do pediatra ao partido. Também foram encontrados registros de palestras, anotações e arquivos de casos médicos.
Conclusão
Atualmente, existe uma divisão a respeito do termo Síndrome de Asperger, de um lado temos pessoas que defendem a exclusão do termo como forma de honrar as crianças mortas em seu nome; do outro, pessoas que defendem a importância do trabalho de Hans Asperger na estruturação do conceito de autismo.
No entanto, é essencial levar em conta que, independente de seu trabalho de pesquisa ter auxiliado o entendimento sobre o espectro autista, o seu passado nazista, onde Asperger colaborou para o programa eugenista “Aktion T4”, não pode e não deve ser apagado. O nazismo foi um sistema fascista, racista e perseguidor de diversas formas, responsável pela morte de milhões de pessoas, como judeus, sintis e outros; ainda que o psiquiatra que deu origem ao termo tenha ajudado na causa, é necessário levar em conta todo o mal causado por aqueles que ele compactuava, e afastar cada vez mais o autismo desse histórico ruim.