O que é Perinormatividade?

A sociedade é composta por normas que moldam e influenciam as experiências individuais e coletivas. No entanto, esses modelos são construídos a fim de apagarem certas identidades, marginalizando certos grupos e reforçando a ideia de uma existência “padrão”. Um exemplo claro disso é a perinormatividade, um conceito que descreve como a sociedade é moldada para uma existência não-intersexo, deixando as pessoas intersexo à margem e sem encaixe nesse modelo. De maneira semelhante, a cisnormatividade afeta as pessoas trans, impondo um padrão cisgênero e relegando suas experiências a uma posição de exclusão. 

A perinormatividade é difundida amplamente e a todo momento, como se fosse impossível imaginar uma existência que fuja desses padrões normativos. Pouquíssimos filmes, por exemplo, retratam verdadeiramente existências intersexo sem recorrer a estereótipos, ainda que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), exista uma estimativa entre 0,5 a 1,7% de pessoas intersexo no mundo, o que pode significar mais de 3,5 milhões de indivíduos intersexo apenas em território brasileiro. Com uma comunidade inegavelmente diversa e ampla, é de extrema importância questionar o apagamento dessa condição devido à perinormatividade.

Assim como associar identidades de gênero a genitálias reflete o modus operandi da cisnormatividade, isso também pode ser associado à maneira como a perinormatividade atua socialmente. Isto porque a cisnormatividade leva em consideração apenas dois tipos de identidades de gênero (reforçando a binariedade de gênero), enquanto a perinormatividade vai além e considera apenas dois tipos de genitália, as classificando como ou masculina ou feminina, insinuando a existência de apenas cromossomos XX e XY, apesar da existência, por exemplo, dos cromossomos XXY (que se manifesta  como a Síndrome de Klinefelter) e XXX (triplo X).

O surgimento de um termo para pessoas não-intersexo é uma das maneiras de ir contra a perinormatividade. Ter um termo como “intersexo” sem um oposto serve para identificar um indivíduo como intersexo, mas não ajuda realmente a compreender o que é uma pessoa que não é intersexo. A problematização é na ideia de que as pessoas não-intersexo fazem parte do modelo perinormativo e não precisariam de uma palavra extra para elas.

É importante destacar que não há consenso quanto ao termo a ser utilizado para se referir a pessoas não-intersexo, e os mais conhecidos são diádico e perisexo. O termo diádico é bastante criticado, pois sua terminologia é associada ao número “dois”, reforçando a binariedade de gênero e sexo. Quanto ao termo perisexo, alguns posts no Tumblr relatam ser a melhor alternativa e, apesar de críticas em relação a ser um termo criado por pessoas não-intersexo, é o mais utilizado atualmente.

Além do constante apagamento que pessoas intersexo sofrem ao longo da vida, existe a violência física cometida principalmente em recém nascidos. Quando a condição é visível (com a genitália ambígua), ocorrem mutilações nas crianças para que se adequem a um sexo específico. Esse tipo de intervenção cirúrgica somente deveria ser considerada quando ocorre risco à saúde da criança, mas isso  não é a realidade.

Já na vida adulta, existem relatos de pessoas descobrindo tardiamente e por acidente sobre sua biologia, como o caso de Caster Semenya, uma corredora sul-africana que foi banida das competições em que  era destaque, pois seu corpo produz quantidades diferentes de testosterona em comparação à quantidade de uma mulher cis perisexo.

A Corte Arbitral do Esporte se pronunciou dizendo que a expulsão da atleta é “discriminatória, mas necessária”, reafirmando a exclusão que pessoas intersexo sofrem ao longo da vida, já que Caster não utilizou de nenhum doping, ou seja, não tentou ter vantagens ilegais sobre seus competidores. Ainda assim, foi proibida de competir por uma condição biológica da qual ela não tem controle, podendo apenas competir as corridas de 400 metros até as de 1,6 km caso fizesse o uso de inibidores de testosterona, os quais a atleta negou. Sua equipe explica a decisão: “A sra. Semenya não deseja se submeter à intervenção médica para mudar quem ela é e como ela nasceu. Ela quer competir naturalmente”.

Em suma, a perinormatividade é mais uma das facetas “patologizantes” das normas sociais centradas nas experiências mais comuns ou aceitas por conta de critérios morais e/ou religiosos, excluindo e tornando anormal uma existência natural, ainda justificando violências psicológicas, morais e até mesmo físicas. Com isso podemos entender que combater a perinormatividade é necessária para a plena expressão, inclusão e exercício de direitos de autonomia corporal das pessoas intersexo. 


Referências: