Bissexualidade

Um dos maiores desafios para uma pessoa bissexual é livrar-se dos estereótipos e da desinformação. Vista, muitas vezes, como ‘’um desejo sexual que “combina” ou “une” a heterossexualidade e a homossexualidade.’’ (LEWIS, 2012), a bissexualidade luta todos os dias por respeito e coerência quanto ao real significado do que é ser bissexual. 

Mais do que simplesmente ‘’algo’’ entre o heterossexual e o homossexual, a bissexualidade é uma orientação única e totalmente independente, e deve ser vista como tal. Os estereótipos resultantes da heteronorma e da monossexualidade, ambas descritas como um ‘’ditame heterossexista usado para oprimir homossexuais e para negar a validade da bissexualidade’’, constroem uma realidade dura para qualquer bissexual.

A origem da bissexualidade é complexa. Em um sentido empírico, como toda e qualquer orientação e identidade, ela sempre existiu. Já no sentido de movimento político e social, os primeiros indícios de consolidação do ativismo bissexual deu-se entre as década de 60 e 70. Negando uma perspectiva de meio-termo confortável, o ativismo bissexual surge para contestar as diversas facetas do monossexismo e da bifobia que se apresentavam nos diversos meios sociais. 

Com participação na famosa Revolta de Stonewall, muitos ativistas bissexuais estavam começando a ganhar os holofotes. Em resposta a Stonewall, a ativista bissexual Brenda Howard, considerada a ‘’mãe do orgulho’’, organizou o Dia de Libertação da Christopher Street, uma marcha que ocorreu em Nova York para marcar um ano desde Stonewall. A marcha, representando a origem das famosas Paradas LGBTQ+ foi um evento muito importante para a comunidade queer, e é justamente graças a Brenda que não se chamam Paradas Gays. A bissexualidade esteve presente desde ali e muito antes, reivindicando por um espaço de visibilidade, lutando por reconhecimento, respeito e dignidade.

Foi a partir desse marco que a atuação de ativistas bissexuais em movimentos queers da época ganhou cada vez mais repercussão. Apesar de já fazerem parte do ‘’Lesbian and Gay Civil Rights and Liberation Movement’’ (tradução: Movimento Lésbico e Gay de Liberação e Direitos Civis), no decorrer dos anos 70 foram formados vários grupos de pessoas bissexuais, que logo consolidaram-se em movimentos pela liberdade e pelos direitos civis de pessoas bissexuais. Assim, o ativismo bissexual foi gradualmente ganhando forma ao redor do mundo com comitês, fóruns, centros, grupos e diversas outras formas político-sociais de luta e resistência.

Na década de 80, os movimentos bissexuais, os quais eram predominantemente masculinos, tiveram as mulheres como figuras centrais. Elas buscaram firmar seu próprio espaço, sendo que muitas delas já eram integrantes de outros movimentos LGBTQ+, a exemplo dos Movimentos de Mulheres e Lésbicas, além de organizações feministas. A Boston Bisexual Women’s Network, fundada em 1983 é um dos principais exemplos da atuação das mulheres na luta bissexual. Além disso, organizações formadas por bissexuais estavam cada vez mais ganhando força em países como Estados Unidos, Canadá, Europa, Nova Zelândia e Reino Unido.

Também na década de 80, os movimentos sociais passaram a focar na epidemia da AIDS, a qual estava afetando a comunidade LGBTQ+ como um todo. Para a comunidade bissexual, a luta pelo ativismo e serviço da AIDS foi especialmente importante, uma vez que eles eram culpados pela sociedade por disseminar a doença para os seus parceiros, servindo como ‘’ponte’’. A luta contra a disseminação de desinformação e o ativismo em relação ao HIV continuou por toda a década de 80, paralelamente a outros movimentos e lutas focadas no ativismo bissexual.

Na década de 90, um dos principais marcos na história do ativismo bi e da bissexualidade como um todo foi a fundação BiPOL, primeira e mais antiga organização política bissexual. Foi fundada em 1983 por Ka’ahumanu, Autumn Courtney, Arlene Krantz, David Lourea, Bill Mack, Alan Rockway, e Maggi Rubenstein. Patrocinando a primeira manifestação pelos direitos bissexuais (a qual ocorreu em 1984), a BiPOL também foi responsável por muitas outras vitórias para a comunidade bissexual, incluindo a participação dos bissexuais na Marcha de 1993 em Washington pelos Direitos e Libertação da Igualdade de Lésbicas, Gays e Bi. O destaque vai para a figura de Ka’ahumanu, que falou sobre a importância da inclusão e visibilidade de bissexuais nessa marcha, sendo ela a única bissexual em meio a outros 18 participantes.

Ademais, ainda nos anos 90, houve a importantíssima publicação do manifesto bissexual na revista Anything That Moves (tradução: “Qualquer Coisa Que Se Mova”). Reivindicando uma identidade completa e fluida, o manifesto demonstra toda a insatisfação e o cansaço da comunidade bi frente à heteronorma da época.

Com o manifesto, uma definição ainda mais nítida da bissexualidade foi proposta, caracterizando-a como uma orientação a qual representa a atração por todos os gêneros. Apesar de muitos contestarem tal afirmação, o manifesto deixa claro que a bissexualidade não foi, não é e nunca será binarista. Enfatiza-se o reconhecimento de mais de dois gêneros, assumindo para a bissexualidade uma posição que ultrapassa a dualidade, abarcando a multiplicidade e a diversidade existente no espectro identitário.

Em 1998 foi apresentada uma proposta de bandeira por Michael Page. A base a inspiração da bandeira foram os ‘’Bi-Angles’’ (tradução: biângulos), de autor desconhecido, símbolo já usado por algumas pessoas da comunidade bissexual, consistindo em dois triângulos invertidos, um rosa e um azul, com uma intersecção. Foi desse modo que Page criou um design de uma bandeira com três cores, as quais representam:

A bandeira consiste de 3 faixas horizontais. A do centro, roxa, é mais fina que as demais. A de cima é rosa e a de baixo é azul.
Bandeira Bissexual

Rosa: atração pelo mesmo gênero.
Roxo: atração por todos os gêneros.
Azul: atração pelo gênero oposto.

Uma curiosidade é que a bandeira bissexual pode ser vista sem necessariamente possuir um lado certo ‘’para cima’’. A bandeira, em muitas ocasiões, já foi içada com o azul no topo, como ocorreu em  Madrid (Espanha) em 2013, Washington (DC) em 2016 e um local não especificado nos EUA em 2019. 

No Brasil, o movimento bissexual remonta os anos 2000 com suas primeiras aparições em meados de 2004 na Associação da Parada GLBT em São Paulo, onde começaram os encontros do projeto Espaço B, voltados para direitos humanos e bissexualidade. Em 2010 surgiu o Bi-sides, um importante portal de ativismo, visibilidade e discussões sobre a bissexualidade. Em seu texto ‘’Construindo a história do movimento bissexual brasileiro’’, o Bi-sides remonta a cronologia da bissexualidade nacionalmente, afirmando que é uma história que está sendo construída a cada dia.

A bissexualidade é completa, fluida, livre. É uma orientação própria, não sendo refém das definições impostas pela monossexualidade, muito menos sendo um intermédio entre o homossexual e o heterossexual. A importância da visibilidade bissexual é tremenda, mas, primeiramente, devemos nos perguntar: por que precisamos dessa visibilidade? Mesmo após tanta luta para sermos vistos, porque ainda precisamos desse desgaste diário para combater a bifobia, o monossexismo, a heteronorma? De fato, essa é uma questão que causa revolta a todes. 

Mas de uma coisa sabemos: a bissexualidade continuará existindo e resistindo, doa a quem doer.


Referências: