Há alguns anos, o racismo circulava de forma muito mais aberta no meio midiático. O famoso Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, é um exemplo bem claro de como o racismo se naturaliza até mesmo em programas infantis. Nele, a personagem Tia Nastácia, cozinheira descrita como “negra de estimação”, é vítima de racismo explícito, tanto por parte das personagens quanto por parte do próprio escritor durante a escolha das palavras a serem utilizadas.
O personagem Jeremias, de Turma da Mônica, é outro exemplo do racismo nas histórias infantis. Introduzido nos quadrinhos em 1960, as primeiras ilustrações do personagem vinham coloridas com tinta nanquim, trazendo-o com a pele na cor preta com características similares ao conhecido blackface. Sua aparência também costumava ser retratada de forma exagerada, como a boca muito mais clara do que a pele, de forma a destacar-se.
Com o tempo, a representação do personagem foi sendo adaptada, mas isso não impediu que uma situação semelhante se apresentasse na criação da personagem Milena, em 2019, que também apresentava uma forte marcação na boca muito característica do blackface, falha rapidamente corrigida.
Os povos negros também não são os únicos afetados. Ainda nos gibis da Turma da Mônica, o personagem Papa-Capim se apresenta como uma falsa representatividade dos povos indígenas, trazendo uma visão estereotipada e fundamentada na folclorização em cima dos povos indígenas, desde a vestimenta — ou falta dela — até a narrativa construída acerca da colonização, retratando os povos originários como agressivos e os portugueses como curiosos e inocentes. Nas edições atuais, algumas questões envolvendo o personagem indígena tem sido trabalhadas, como a adição de roupas ao invés da “tanga” — vale pontuar que muitas pessoas indígenas utilizam de roupas tradicionais de sua cultura e povo, mas que associar ser indígena a este costume é simplificar e invisibilizar diversos povos.
O racismo e as caricaturas racistas também se apresentam em outros tipos de mídia. O programa Zorra Total, exibido de 1999 a 2015 pela TV Globo, traz um exemplo bem famoso de caricatura racista através da personagem Adelaide. No quadro em questão, o ator Rodrigo Sant’Anna utilizava blackface para interpretar a personagem, uma mulher negra pedinte, sempre através de estereótipos e “piadas” que menosprezavam e ridicularizavam as pessoas negras.
Ao decorrer do tempo, as denúncias sobre tais representações “distorcidas” se intensificaram, e a onda denominada “politicamente correta” trouxe às pessoas envolvidas na produção desse tipo de conteúdo um medo de reproduzir preconceitos e estereótipos. Este medo, no entanto, se dá com base em um possível “cancelamento” — termo famoso utilizado para deslegitimar a cobrança de um posicionamento quando algo ou alguém possui uma atitude considerada problemática —, e não em um verdadeiro entendimento de como isso afeta pessoas racializadas ou uma necessidade de mudar um ponto de vista preconceituoso acerca de pessoas não-brancas. É essencial que haja um entendimento de como as representações afetam essas pessoas e a visão sobre elas, para que suas representações deixem de ser vistas como “cota” ou “alívio cômico” e passem a ser vistas com naturalidade.
Referências
- Quando é que uma caricatura é racista? | Opinião | PÚBLICO
- Sobre Adelaide, Zorra Total e o racismo sem graça – Por Dennis de Oliveira
- Racismo na caricatura brasileira
- Entre a negrofilia e a negrofobia: caricaturas dos anos 1920 em perspectiva transnacional
- A polêmica de Monteiro Lobato em Sítio do Picapau Amarelo: Homem de seu tempo ou racismo explícito?
Ficha técnica
Escrita: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Lara Moreno