Comumente definidas como apenas meios de entretenimento, obras midiáticas também são relevantes quando se trata de abordar, representar e até conscientizar sobre vários assuntos. Porém, como o monopólio desses meios está nas mãos de homens brancos cishéteros e neurotípicos, é comum que a maioria das produções seja pensada em cima do entretenimento e identificação do grupo ao qual os CEOs de grandes empresas, estúdios e editoras pertencem, trazendo uma carência de conteúdo e representatividade para comunidades minoritárias.
É na tentativa de suprir a falta de suas vivências sendo retratadas na grande mídia que identidades marginalizadas se encontram nas produções independentes, sejam como consumidores ou produtores. Um exemplo disso é a relação entre a comunidade LGBTQIAP+ e o universo das fanfictions.
Termo em inglês originado da junção das palavras fan (fã) e fiction (ficção), as fanfics são um conteúdo produzido por fãs de determinada obra, seja um livro, filme, série, desenho ou até bandas, onde ês autories procuram expandir o universo que lhes foi apresentado originalmente, imaginar e reimaginar seus personagens favoritos em outros contextos ou até se inserirem dentro da obra com suas próprias criações (as chamadas OCs ou self inserts).
Sem que precisem se prender às características de um único gênero literário e com a liberdade criativa para abordarem diversos temas sem o risco de censura por parte de grandes corporações, as narrativas presentes nas fanfics são diversas, criando uma vasta quantidade de material que retrata diferentes vivências e, em consequência, acolhe toda uma comunidade que se encontra nessas histórias.
Quando se proporciona aos fãs a possibilidade de reimaginar e recontar a obra original em uma perspectiva diferente, nesse caso, a perspectiva LGBTQIAP+, é muito comum, principalmente entre os leitores mais jovens, se deparar com relatos de que as fics são um grande apoio em relação à descoberta e aceitação da própria sexualidade, já que não estão fadadas a modificações de terceiros para se enquadrarem nos padrões do mercado literário e, por serem hospedadas em sites específicos de maneira gratuita, esses materiais acabam sendo muito mais acessíveis.
Mas o fácil acesso a essas histórias tem sua desvantagem, especialmente quando se trata do público mais jovem, o qual podemos dizer que é o maior consumidor dessas obras. Justamente por ser um meio livre de censuras e frequentemente usado para depositar os desejos des autories, muitas fanfics acabam abordando certos assuntos de maneira equivocada, como é o caso de muitas fics hot, nome dado às leituras de conteúdo erótico. A abordagem irrealista das relações sexuais e do prazer humano não chega a ser um assunto relevante quando falamos de adultos que escrevem para outros adultos, mas isso se torna complicado quando se trata de pré-adolescentes e adolescentes inexperientes e facilmente impressionáveis que consomem ou escrevem esse tipo de conteúdo.
O contato despreparado com a temática, sem o auxílio de adultos responsáveis, pode resultar em ideais inalcançáveis de relacionamentos, frustração quanto a experiências sexuais na vida real e supervalorização de relacionamentos românticos e sexuais, comportamentos/pensamentos que podem levar a uma vivência frustrada com a própria sexualidade.
Levanta-se assim a discussão sobre consumo de conteúdo consciente, afinal autores não deveriam sofrer represálias por abordarem determinados assuntos em suas obras e nem devem censurá-las pela possibilidade de grupos, que não fazem parte do público alvo da obra, terem contato com ela. Isso não significa que histórias que almejam um público mais novo não devam tocar em assuntos como sexualidade e a exploração desta, mas que a abordagem deve ser coerente com a faixa etária dês leitores, proporcionando uma experiência confortável e contato adequado com os temas.
O mercado editorial tem mudado nos últimos anos e atualmente já vemos uma mudança significativa no que diz respeito a obras com representatividade LGBTQIAP+, trazendo várias temáticas e diversidade para além do campo sexualidade e gênero.
Ver prateleiras em livrarias dedicadas a obras de e para o público LGBT traz esperança tanto para leitores quanto autores, que têm mais oportunidades de se verem representades de maneira oficial e coerente. Porém, mesmo com o amplo número de obras LGBTs publicadas de maneira oficial, o impacto que as fanfics têm na vida das pessoas, desde jovens até adultos, não diminui e nem deveria. Fanfics continuam sendo uma literatura válida e cheia de potencial e que, devido ao seu fácil acesso e consumo por muites participantes de comunidades de fãs online, são um grande apoio para jovens que estão se descobrindo e não podem ter contato com materiais publicados. É preciso reconhecer a fanfic, especialmente as que tocam em assuntos como sexualidade e erotismo como leituras detentoras de qualidade e intelecto, mas também dar a elas um olhar crítico, especialmente em relação a maneira que esses temas são abordados em seu decorrer.
Referências
- A Percepção de Leitores de Fanfictions Românticas Acerca do Amor e Sexualidade
- As Fujoshis: Gênero e Sexualidade no Fenômeno Fanfiction
- Por que a Fanfic Queer é tão Relevante?
Ficha técnica
Escrita: Chenny
Revisão: Lara Moreno, Nico Baladore
