Relações platônicas no espectro arromântico

Dentro de uma sociedade allonormativa, é muito comum a perspectiva de que as formas-relacionamento de um indivíduo sejam separadas em critérios pré-definidos: amizade, família, romance e sexo. Mas você já parou para pensar que nem todas as pessoas experienciam esses aspectos da mesma forma? 

Pessoas arromânticas muitas vezes são vistas como incapazes de sentir amor. Essa ideia — além de falsa — é profundamente injusta. Pessoas arromânticas sentem, sim, afeto. Apenas não necessariamente da maneira que a sociedade costuma validar. 

O amor, na verdade, não se resume estritamente ao romance. Ao contrário do que imaginam, pessoas arromânticas podem vivenciar laços de intimidade, carinho e, caso desejem, comprometimento, de forma profunda. É justamente nesse terreno — onde o amor romântico não é o centro, tampouco o destino — que relações platônicas florescem. 

Que tal conhecer um pouco mais sobre elas na postagem de hoje? 

Relacionamentos queerplatônicos

Os relacionamentos queerplatônicos (ou QPRs, da sigla em inglês queerplatonic relationships) são formas de comprometimento acordado entre duas ou mais pessoas, que não seguem o modelo socialmente aceito de vínculo emocional, como o romance, por exemplo. Eles costumam envolver um nível intenso de intimidade, conexão, apoio emocional e zelo mútuo. 

Como acontece em muitas relações dentro do espectro arromântico, não há regras fixas sobre como essas conexões devem acontecer ou se manifestar. Os limites afetivos, emocionais e sexuais são geralmente discutidos entre as pessoas envolvidas, permitindo a construção de acordos claros sobre o que é desejado e confortável em cada relação.

Squish

O squish pode ser visto como um intenso desejo de se aproximar e criar vínculos profundos com alguém. É uma atração não-romântica e não-sexual onde a atração é puramente platônica, como um crush, se o crush não implicasse atração romântica e/ou sexual por outra pessoa. Geralmente, squishes podem se desenvolver ao ponto de se tornarem amizades significativas ou até mesmo QPRs. 

Famílias escolhidas 

As famílias escolhidas (ou found family, termo em inglês mais conhecido e de mesmo significado), dentro do espectro arromântico, são construídas a partir da escolha mútua e deliberativa de dois ou mais indivíduos de exercerem papéis de importância na vida uns dos outros. Trata-se de uma rede de apoio construída com base no afeto, no cuidado e no compromisso — mesmo sem qualquer vínculo biológico ou legal.

Relações intelectuais 

Muitas pessoas arromânticas podem experienciar níveis intensos de intimidade, atração e contentamento através da conexão intelectual. Interesses em comum podem dar origem a formas de relação platônica nas quais o romance não está presente, mas o vínculo é igualmente significativo.

Relações não-monogâmicas 

Pessoas arromânticas também podem experienciar relacionamentos não-monogâmicos e platônicos. Muitas delas constroem múltiplos laços afetivos simultaneamente, mas sem o contexto romântico. 

A vivência arromântica é única para cada pessoa que a experimenta. Reduzir essas dinâmicas a generalizações seria ignorar a multiplicidade de formas que o afeto pode assumir fora do romance.

Cada relacionamento é diferente, porque, em cada caso, serão construídos acordos específicos sobre como aquela relação será vivida e praticada. Esses acordos são fundamentais dentro da comunidade arromântica: é por meio deles que se estabelecem os contornos, os limites e os desejos que sustentam a relação.

Em muitos casos, esses vínculos podem até se assemelhar a relacionamentos “convencionais”, mas seu significado está justamente em transcender o modelo romântico e criar novos caminhos de conexão.

É importante que, como em qualquer outro tipo de relação, as relações platônicas sejam saudáveis e satisfatórias. Mesmo não seguindo a ideia convencional de romance, continuam sendo relacionamentos interpessoais, suscetíveis a conflitos, mal-entendidos e desafios que exigem cuidado e observação mútua.

Mas como é possível fazer isso? 

  • Comunicação honesta, contínua e respeitosa;
  • Respeito mútuo aos desejos e limites de cada pessoa;  
  • Estabelecimento de acordos afetivos claros (incluindo limites íntimos, emocionais e físicos);
  • Escuta ativa e validação das emoções envolvidas;
  • Criação de uma conexão afetiva que se desenvolve com intenção;
  • Abertura para revisar e renegociar os acordos quando necessário;
  • Cuidado mútuo expresso em gestos do cotidiano;
  • Reconhecimento da relação como legítima e importante.

As relações platônicas não devem ser encaradas como inferiores às relações românticas e convencionais, mas como pluralidade dentro de uma sociedade que é, por si só, extremamente diversa. É na pluralidade que reside a base do respeito, da aceitação e da não-conformidade a padrões excludentes e limitantes. Afinal, o amor não é, e nunca será, apenas romance.


Referências


Ficha técnica

Escrita: Nunu Pítaro
Leitura crítica: Viktor Bernardo Pinheiro
Revisão: Jéssica Larissa O.S. e Brian Abelha