Os anos 80 foram um dos períodos mais conturbados para a população LGBT+. Ao mesmo tempo que tínhamos avanços no movimento e na luta por direitos, o preconceito contra a população homossexual só crescia.
Foi uma época marcada pelo fim das cirurgias de lobotomia, a retirada da homossexualidade da lista de doenças mentais, a conquista do direito de casamento e diversos levantes de grupos LGBT+, especialmente levando em conta que a fagulha de Stonewall havia finalmente se tornado uma fogueira no Brasil; porém veio acompanhada do aumento da violência contra população LGBT+ e da crise da AIDS.
Visão heteronormativa da época
Você provavelmente já se deparou com a entrevista em que uma repórter passeia pelas ruas de São Paulo perguntando “O que você acha sobre o assassinato de gays?”, e a primeira resposta, sem um pingo de hesitação, é “eu acho que tem mais é que assassinar mesmo”.
Essa pequena entrevista é mais do que o suficiente para mostrar a todes qual era visão que a população tinha acerca da comunidade LGBT+ naquela época.
O vídeo todo é chocante, e, caso você seja sensível, não recomendamos a visualização do mesmo em hipótese alguma. Entretanto, é importante ressaltar que essa visão não era uma coisa natural da época.
A ditadura militar no Brasil se estendeu de 1964 até 1985, e mesmo nos anos finais do regime ainda eram notáveis a forte censura e a falta de acesso a informações. O povo era mergulhado na mais profunda forma de alienação, e aqueles que questionavam eram censurados, torturados, caçados e mortos.
Havia, ainda, um problema: a causa da AIDs era desconhecida, e as informações acerca da doença eram escassas, mas as mídias insistiam em criar uma relação entre o HIV e o homossexualismo, se referindo como “A peste gay”.
Epidemia de aids e a falta de acesso à saúde
Nos anos 80, o Brasil chegou no auge da epidemia de AIDS e, por conta dos jornais que relacionavam o avanço da doença aes homossexuais, a população LGBT+ passou a sofrer uma série de ataques, dificultando o acesso aos serviços de saúde.
Diversos são os relatos de queers que sobreviveram a esse pesadelo. Em alguns deles, são notáveis o companheirismo e auxílio entre a população LGBT+, visto que boa parte não tinha acesso a serviço de saúde ou auxílio des familiares — seja por preconceito ou por medo de contraírem o vírus —, e cabia a dependência e a união da comunidade na hora de cuidar des doentes.
No entanto, mesmo diante da necessidade de união entre a comunidade, nesse período haviam diversas atitudes separatistas dentro dela, seja por conta do terror da AIDS ou por revolta às diversas mortes que poderiam ter sido evitadas — e não cabe a nós julgar tais atitudes, mas sim compreender o quão terrível foi esse período.
Em um dos relatos, uma lésbica pontua que, mesmo diante dessas atitudes separatistas, ninguém deveria morrer sozinhe ou ouvir da família que isso era “castigo divino”.
Assim, de fato, a comunidade se apoiava e ajudava, independente de suas divergências, havendo casos de, por exemplo, lésbicas saindo de seus empregos para cuidar des doentes, mesmo sem treinamento ou conhecimento de medicina, ofereciam conforto e cuidados.
Foi um período horrível para todes da comunidade, e isso não deve ser esquecido ou ignorado. O companheirismo, a união e as ações em conjunto da época devem ser lembradas e tomadas como exemplo.
Grupos e movimentos
Como mencionado anteriormente, nessa época os acontecimentos de Stonewall começaram a enfim refletir no Brasil. Mesmo diante do pesadelo causado pela epidemia de AIDS nos anos 80, foi nesse momento que floresceram diversos movimentos e grupos que militavam pelos direitos LGBT+ e buscavam combater a AIDS.
Houve também a dissolução do grupo somos e o crescimento do Grupo Gay da Bahia (GGB), que teve e tem um papel importante no fortalecimento do ativismo no nordeste brasileiro.
É importante lembrar que a epidemia de AIDS atingiu o público LGBT+ em sua totalidade, porém se tratando de pessoas trans, travestis e prostitutas a epidemia foi muito mais violenta, visto que a essas pessoas eram negados os serviços de saúde. Em resposta a isso, temos, em 1981, a criação da Associação de Travestis e Liberados (ASTRAL), que vai desempenhar um papel importante na luta contra a epidemia de AIDS, além do surgimento de ONGs como Gapa-SP e Pela Vidda.
Em 1990, por conta do crescimento do movimento LGBT+, o Brasil se tornou pioneiro na resposta comunitária e governamental à AIDS.
Conclusão
Por ser um período extremamente horrível para a população LGBT+, que enfrentou uma epidemia e o preconceito da época, hoje em dia, já tendo mais informações sobre a AIDS, é possível observar que, de acordo com o boletim HIV/AIDS de 2020, a maior parte dos casos de AIDS são de pessoas heterossexuais, seguida de homossexuais e por fim bissexuais ou multi de modo geral.
Sendo assim, o estigma de que a transmissão da AIDS é culpa de pessoas não-hétero não passa de preconceito,uma falácia cujos dados disponibilizados pelo ministério da saúde provam o contrário, então a questão que não tem resposta.
Hoje, mais de 40 anos após a epidemia de AIDS, com informações acerca da doença e tudo mais, o Brasil continua sendo o país que mais mata LGBT+ em todo o planeta.