Autismo e conceitos de gênero

Algo pouco conhecido fora das comunidades autista e LGBTQ+ é a conexão entre ambas. Embora seja um fenômeno pouco estudado, parece claro que dentre as pessoas com autismo há uma maior frequência da manifestação de diversidade de gênero e sexualidade, assim como a presença da Disforia de Gênero. Essa conexão leva a diversas discussões, tanto sobre a natureza da sexualidade e identidade de gênero humana, quanto a validade de identidades não-cis e sexualidades não-hetero (discurso frequentemente proferido por pessoas capacitistas e feministas radicais). 

Quando se fala em diversidade de gênero, pode-se atestar tanto um maior número de pessoas trans dentre a comunidade autista, quanto pessoas cujo comportamento não se adequam a normas de gênero, ainda que se identifiquem como cis. Em um estudo com crianças de 2014, foi reportado que o desejo de ser do gênero oposto é 7.6x mais comum entre crianças com TEA (transtorno do espectro autista) em relação às que não possuem TEA. Também é reportado que pessoas autistas se encaixam menos em normas de gênero e estão sob maior risco de sofrer com disforia de gênero, especialmente pessoas designadas como sendo do gênero feminino.

Várias teorias e discursos quanto ao motivo dessa conexão estão recheadas de ideias antiquadas e de infantilização, especialmente, de autistas afab. Homens e pessoas não binárias designadas mulheres no nascimento (afab) são comumente infantilizadas em círculos radicais feministas, tendo sua experiência de gênero invalidada. O mesmo pode ser dito sobre pessoas com deficiência de forma geral, incluindo-se o autismo. A ideia de que uma pessoa autista, por ter uma deficiência, é menos capaz de tomar decisões sobre seu próprio corpo e sua própria vida, especialmente se são não-verbais ou possuem um nível de necessidade de assistência maior, é capacitista e datada. A associação entre dificuldades sociais e/ou sensibilidade a estímulos de pessoas autistas com a possibilidade de estas serem “convencidas” a se tornarem trans com mais facilidade, é inclusive refutada em diversos estudos.

O que se pode afirmar quanto a essa conexão é que diversas teorias existem para tentar explicar sua ocorrência. Dentre as mais aceitas pelas comunidades autista e LGBTQ+, está a teoria de que pessoas autistas não tendem a seguir e compreender normas sociais que não possuem função clara, o que incluiria os comportamentos e características que chamamos de “gênero” como uma consequência obrigatória de possuir uma genitália específica. Isso torna a possibilidade de uma pessoa autista não se identificar com o gênero associado tipicamente a sua genitália e não ter um comportamento típico do gênero que se identifica, maior do que uma pessoa alista. A possibilidade de uma pessoa autista se assumir como LGBTQ+ por não aderir a normas sociais sem função clara, é também maior.  Sobre o maior índice de pessoas trans-autistas dentre afabs, também pode-se teorizar que isso se deve ao bias cultural quanto ao diagnóstico do autismo, relacionando-o a performances de gênero e a identidades de gênero masculinas. 

Referências:


Ficha técnica:

Escrita: Bibiana Christofari Hotta
Revisão: Lara Moreno