O Hospital Colônia de Barbacena (Minas Gerais) foi o maior hospício do Brasil, sendo palco durante o século XX (20) de inúmeros casos de negligência e abuso sistematizado, levando à morte de 60 mil pessoas. O nome “Holocausto brasileiro” foi dado pela jornalista Daniela Arbex, que publicou, em 2013, um livro homônimo contendo relatos de diversos envolvidos. O caso do Hospital Colônia é um grande exemplo do descaso social e dos sistemas que exploram a vulnerabilidade de indivíduos marginalizados ou que não gozam de amplo direito, autonomia e voz.
Até os anos 80, a luta antimanicomial não tinha tomado força no Brasil, então, de forma geral, os manicômios eram vistos como uma das principais formas de tratamento para os transtornos mentais. Nessas instituições, as pessoas não eram apenas despidas de liberdade, mas também de sua humanidade. Abusos não eram apenas frequentes no Hospital Colônia, na verdade, eles eram a norma. Os banhos coletivos, os espaços malcuidados, falta de alimentação, abuso físico e tratamentos pouco convencionais eram sistematicamente aplicados em todas as instituições do país. Não somente no Colônia também, a maior parte dos internados não possuía transtorno mental e eram usados de depósitos de pessoas com uma lógica “higienista”. Eram institucionalizados moradores de rua, mulheres que iam contra seus maridos ou ficavam grávidas fora do casamento, crianças cujos pais não as queriam, homossexuais, prostitutas… No Colônia, é estimado que 70% dos pacientes não tinham diagnóstico de transtorno nenhum.
Os pacientes chegavam majoritariamente em trens, como nos campos de concentração nazistas, os quais receberam dos moradores de Barbacena o nome “trem de louco”. Alguns chegavam em viaturas policiais ou ônibus e vinham de todos os cantos do Brasil. Ao chegarem, tinham suas cabeças raspadas, suas roupas removidas e às vezes seus nomes alterados pelos funcionários. Muitos que entraram, nunca saíram, seja por sua curta vida ou longa estadia. Todos os dias, chegavam vagões lotados de “loucos”, o que logo fez com que uma estrutura planejada para 200 pacientes atingisse o número de 5.000. Dentre estes, pelo menos 33 eram crianças que foram transferidas/realocadas após o fechamento do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil de Oliveira, também cenário de horrores incomparáveis. Para remediar a situação, foi sugerida a substituição das camas por capim. A medida foi tão “bem-sucedida”, que em 1959 foi recomendada pelo poder público a outros hospitais mineiros.
O hospício também era extremamente lucrativo, já que, além da internação em massa e poucos gastos, os pacientes eram comumente encontrados trabalhando em obras públicas e plantações. Em 1916, quase metade da receita do hospital foi garantida pelo trabalho dos pacientes. Os internos também eram levados para casas de diretores e funcionários para fazerem obras sem remuneração. As mortes dos pacientes serviam para dois grandes propósitos: a desocupação de espaço e a venda de corpos. No período de maior lotação, morriam em média 16 pacientes por dia. Junto ao hospital, foi construído o Cemitério da Paz, para onde às vezes os próprios pacientes carregavam corpos e enterravam, excedendo a capacidade do local. Os corpos também eram vendidos para faculdades de medicina. Entre 1969 e 1980, 1.823 corpos foram vendidos. Quando a demanda por cadáveres acabou, o imenso “estoque” passou a ser dissolvido em ácido, na frente dos pacientes, para que as ossadas pudessem então ser comercializadas.
Com o avanço da luta antimanicomial e reivindicações sociais, aos poucos o Hospital Colônia foi sendo desfeito, assim como diversos outros pelo Brasil. Os moradores ainda vivos foram levados para instituições com melhores condições. Alguns reencontraram suas famílias, outros não. O antigo Hospital Colônia virou o Museu da Loucura, um marco do que foi o período em que dominava a lógica manicomial e higienista no Brasil. Atualmente, ainda existem manicômios, embora também existam meios alternativos de tratamento de transtornos mentais. Em vista disso, é preciso sempre se atentar aos discursos morais que levaram a normalização do ocorrido no Holocausto Brasileiro: a ideia de que essas pessoas representavam perigo ou que não poderiam ter voz. Hoje em dia, essas ideias ainda permanecem na boca de figuras importantes. Precisamos nos atentar aos retrocessos e ao cenário atual (como o tratamento de usuários de drogas em residenciais terapêuticos, por exemplo), para que eventos como este não se repitam.
Referências:
- Holocausto brasileiro (documentário)
- Holocausto brasileiro. Daniela Arbex, 2013. (livro).
Ficha Técnica:
Escrita: Anônime
Revisão: Lívia Figueiredo